21 de abril de 2024

Primeira Impressão

Bright Future
Adrianne Lenker




Existe beleza nas pequenas coisas da vida. Essa frase pode resumir bem todo o sentimento ao ouvir a espetacular álbum Bright Future da cantora Adrianne Lenker. E, queridos leitores, essa é apenas a ponta do iceberg para entender todo o impacto emocional que a obra é capaz de alcançar.

Sexto álbum da carreira da cantora, Bright Future é um trabalho que sobre a força que reside no nosso dia a dia, nas pequenas situações corriqueiras, nas lembranças dos eventos que vivemos, nas pessoas que nos cercam e como essas pessoas interagem com a gente ao longo do tempo. Isso é fácil para quem escutar se identificar de alguma maneira, pois são coisas que passamos em algum momento das nossas vidas já que são experiências coletivas que fazem a gente se reconhecer no outro. E aí que está toda a força da lírica de Lenker, pois a mesma consegue transforma essas crônicas de pequenas coisas em históricas tocantes, emocionais, devastadoras, sinceras e inspiradas. Não há em nenhum momento, porém, a vontade de transformar as composições em inteligentonas para mostrar a capacidade lírica de criar metáforas ou/e analogias complexas para expressar sentimentos relativamente simples de serem explicados. Escrevendo todo o álbum sozinha, a artista faz aqui é quer entregar a mais pura simplicidade nas palavras para transmitir a verdadeira força das suas delicadas e intimas emoções. Tudo começa logo de cara na estupenda e genial Real House.

A faixa que abre Bright Future é uma delicada e contemplativa narração sobre as memorias que a Adrianne Lenker sobre as lembranças que teve na infância devido as constantes mudanças de casas que a sua família passou ao longo dos anos. Na superfície, a canção é sobre a cantora lindou com tudo isso e, o mais genial, é que profundamente também é sobre isso em toda a sua simples glória. A cantora não quer criar grandes imagens ou devastadores arrombos, mas, sim, narrar de maneira sincera sobre o que viveu e sobre como isso a influencia até hoje. Divido em oito versos em cada um narra uma memória, Real House é quase uma conversa que a mesma parece está tendo com a sua mãe sobre esses dias em que as lembranças vão sendo inundadas na sua mente como uma maré subindo aos poucos, preenchendo todo o ambiente sem precisar criar grandes movimentos e deixando marcas profundas. E o grande momento é no seu verso final em que tudo é arrematado pelo o que parece a memoria mais forte ao relembrar a reação da sua mãe com a morte do cão da família:

I never saw you cry
Not until our dog died
And the whole family came back together
We held her body as they put the needle in her
And then I saw you cry
And then I saw you cry

E maneira terna, a canção termina como em um quase suspiro assim com o final de uma conversa tão sensível e contemplativa, deixando a sensação de incompletude que nos remete com o fato que existem coisas que não precisam serem terminadas já que continuam em fluxo de vindas e idas. E sem perder tempo, Bright Future nos dá outro momento triunfal e de tirar o folego com o espetacular single Sadness As a Gift.

O que faz da canção uma obra devastadora é a sua composição. Na verdade, o motivo é como a artista consegue elaborar a ideia que nem sempre o fim de um relacionamento precisar ser dramático, mas, sim, chegar a conclusão serene que o fim é o único caminho para se seguir. E sem precisar usar de lugares comuns para querer arrancar uma lágrima apenas, Lenker escreve uma das letras mais devastadoras dos últimos tempos de maneira tão leve como soprar uma pluma no ar, especialmente no seu refrão: “The seasons go so fast Thinking that this one was gonna last/ Maybe the question was too much to ask”. Sonoramente, o álbum não recria nenhuma roda ou entrega algo que seja extremamente criativo, mas a produção de Philip Weinrobe ao lado da própria da cantora entrega uma excepcional, madura e mágica que mistura folk, indie e americana. E existe claro um cuidado impressionante com o instrumental que é impecável do começo ao fim. Acredito que essa sonoridade e como a mesma é guiada é a perfeita base para as composições, pois não permitem que as mensagens sejam ofuscadas e, ao mesmo tempo, se tornam o veículo ideal para toda a força emocional que é apresentada. Em Free Treasure, o suave e leve instrumental faz com a gente lembra uma tarde ensolarada e fresca devido uma brisa suave, servindo perfeita para a sua mensagem sobre aproveitar os momentos de tranquilidade da vida como, por exemplo, um mergulho em uma cachoeira, uma conversa com quem se ama e o cheiro de uma comida caseira. O álbum termina com a sua canção mais dramática em Ruined sobre a dor de perder a conexão com quem se amou. E existe sentimento mais comum que esse para quem amou e perdeu? Outros momentos é a exploração dos círculos da vida com “brincadeiras” semânticas na linda Evol (love de trás para frente), No Machine e o seu deslumbrante e hipnótico dedilhar de violão e, por fim, o dueto inspirado com Nick Hakim em Donut SeamBright Future termina sendo como um álbum sobre essas pequenas coisas que vivemos, mas Adrianne Lenker o transforma em trabalho tão grande para poder caber todas essas coisas de maneira extraordinária.


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