4 de novembro de 2018

Antes Tarde do Que Nunca

Bionic
Christina Aguilera



Quando lançou Bionic em Junho de 2010, a Christina Aguilera já tinha uma carreira que, além de estabilizada, estava no seu auge. Dois anos antes a cantora lançou a sua primeira coletânea de grandes sucessos (Keeps Gettin' Better: A Decade Of Hits), comemorando dez anos de carreira. E, dois anos antes disso, Aguilera tinha comprovado definitivamente a sua força artística com o sucesso de público e critica de Back to Basics, conseguindo o feito de emplacar um álbum duplo e com uma sonoridade "vintage". Então, o hype em torno do lançamento era altíssimo, mas, assim como todos sabemos, o resultado final ficou bem aquém do que era esperado, comercialmente e, principalmente, criticamente. Oito anos depois já chegou a hora de responder uma questão que vem crescendo ao nesse período sobre Bionic: o álbum foi um flop porque estava sonoramente a frente do seu tempo ou o álbum era uma coleção de pretensiosismos em formas de canções? Alerta de spoiler: um pouco dos dois.




O Lado Bom de Bionic

O período de lançamento do álbum foi exatamente o mesmo que o pop teve uma mudança significativa na narrativa contemporânea, sendo influenciado, principalmente, pela meteórica ascensão da Lady GaGa durante os dois anos que antecedem. Não apenas o electropop começou a dominar o mainstream, mas, principalmente, a estética ficou ainda mais elaborada e com nítidas referências de vários grandes nomes da música das décadas setenta e oitenta. Além disso, a era digital começava a fincar as suas raízes de maneira definitiva e irrevogável. É exatamente nesse cenário exterior que nasce Bionic. O que difere o trabalho da Aguilera para outros daquela época é o fato que a artista já tinha controle da sua carreira e, principalmente, um tino bem refinado para dar vida a sua visão de música.

Apesar de seguir parte dessa nova tendência, Aguilera escolheu, também, pensar fora da casinha ao tentar construir uma sonoridade que pudesse ser a iniciadora de novas tendências dentro desse novo ciclo que o pop estava passando. O principal ato para alcançar esse feito foi chamar vários nomes desconhecidos ou ainda em ascensão para ficarem no time de produção de Bionic. Esse time se constituía de nomes relacionados ao indie pop, alternativo e eletrônico como, por exemplo, as bandas Le Tigre e Ladytron, a cantoras M.I.A e Santigold, o produtor Samuel Dixon e, ganhando a primeira oportunidade fora da Austrália, a cantora Sia. Essa equipe junto-se com a de nomes já conceituados e famosos como é o caso de Polow da Don, Christopher "Tricky" Stewart, Claude Kelly e, em apenas uma canção, a colaboradora de longa data Linda Perry. Essa união entre o já estabelecido e o novo foi claramente uma vontade de criar algo que, ao mesmo tempo, pudesse apelar para aquele atual mercado e fosse um verdadeiro farol para guiar o cominho do pop dali adiante. Na época, infelizmente, Bionic parece não ter acertado em nenhum dos dois alvos, mas, passado todo esse tempo, é necessário analisar que talvez Aguilera tenha alguma responsabilidade no atual pop.

A contribuição mais importante do trabalho que deve ser celebrado é a sua incisiva, contundente e, por muitas vezes, ousada temática pós-feminista, abordando assuntos que vão de autoestima para violência doméstica até sexo oral. Essa coragem em abordar esses temas já permeava os trabalhos da cantora, principalmente no icônico Stripped, mas aqui a cantora entrega trabalhos mais maduros que refletem a sua evolução pessoal. Isso não quer dizer, porém, que o resultado final das composições sejam geniais, pois, infelizmente, o álbum é recheado de alto e baixos liricamente que vai do divertido/inteligente/inspirado até o preguiçoso/presunçoso/sem inspiração. Apesar desses problemas o impacto das letras é Bionic é verdadeiro e deveria ser melhor apreciado, pois foi uma das chaves para o começo dessa onda de empoderamento feminino atualmente. Olhando em retrospectiva, o melhor exemplo dessa vanguarda da Aguilera é Woohoo com a presença da então promessa Nicki Minaj que fala abertamente sobre sexo oral e desejo sexual feminino. Uma pena, porém, que a canção também possa gerar uma percepção tão mista para quem ouve, mas, ao contrário do que pode imaginar, devido mais a sua produção e, não, apenas a sua composição.

O Lado Ruim de Bionic

Como expresso anteriormente, a composição técnica do álbum foi pensada para conseguir surfar na nova onda pop e dar para a cantora um ar de desbravadora ao tentar criar novas tendências. Infelizmente, o resultado final não consegue alcançar nenhum dos dois resultados como era o esperado, mesmo que existam pistas de sucesso aqui e ali. 

Bionic é um mediano e bem produzido trabalho de electropop com toques de R&B, indie pop e pop contemporâneo que tem como principal erro a falta de foco na construção da sonoridade. Os dois caminhos pretendidos para o álbum nunca se encontram de fato, deixando uma impressão de total falta de sintonia o que foi pensado e o que realmente foi realizado. Batendo cabeça durante todo o álbum, a sonoridade parece tentar ser a frente do seu tempo, mas não consegue desligar de matrizes que fazem o pop comercial. E quando consegue ser verdadeiramente "modernoso", o álbum peca por deixar essas canções "soltas" e sem escoras de outras canções com essa mesma dinâmica. Esse é o caso da trindade de Elastic Love, My Girls e Monday Morning que puxam muito mais para o lado indie/alternativo, funcionando como verdadeiras pérolas "para frentex" do álbum. Todavia, colocadas dispersas na lista de faixas, o impacto delas é completamente perdido, não dando a chance para essas canções brilharem como poderiam. Essa sensação de estarem perdidas é, também, devido a outro problema do álbum: a exagerada quantidade de faixas. 

Na versão "normal" do álbum já são dezoito canções com duas intros que não fazem muita diferença. Ao juntar com as versões estendidas, o número chega a estrondosas vinte e quatro canções. Para qualquer álbum, esse número de faixas já é um gigantesco exagero, mas, para um álbum pop, essa decisão é um dos pontos que ajudaram a fomentar os erros de Bionic. Ainda mais para um trabalho que tem uma base tão arrojada e distinta. Essa quantidade de canções dá espaço para os erros e, infelizmente, é exatamente isso que acontece no álbum. Sem coesão e longo demais, Bionic perde qualquer força que as canções que acertam geram. Além disso, no alto da sua potencial vocal, Aguilera tem um produção vocal questionável em vários momentos em que os efeitos vocais são mais intensos. Isso não tira, porém, o brilho da cantora de maneira geral como é o cano na tocante Lift Me Up. Entre erros e acertos, os melhores momentos do álbum, além dos já citados, ficam por conta do single Not Myself Tonight que conseguiu dar uma melhorada com o tempo, as divertidas Prima Donna e Bobblehead, a deliciosamente despretensiosa e prazer culposo Vanity e a melhor canção de todas You Lost Me, mesmo que seja a mais "tradicional" canção do álbum destoando do resto. Sem ser um desastre como muitos falam ou tão genialmente desacreditada a ponto de virar algo cult, Bionic merece um leve carinho do público atual, pois é quase um esboço mal desenhado do pop atual. E, claro, mostra que até errando, a Christina Aguilera é uma das poucas artistas do pop que sempre deu a cara a bater.


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