21 de maio de 2019

Primeira Impressão

Goela Abaixo
Liniker e os Caramelows


Ao resenhar o álbum do Troye Sivan em Setembro do ano passado disse sobre a importância da comunidade LGBTQ+  escrevi essas palavras: "Ainda caminhamos a passos lentos e existem grandes pedras que aparecem para bloquear essa jornada, mas é fato que estamos vivendo uma época em que não há como mais o público LGBTQ voltar para o armário. Por isso, ouvir um álbum como Bloom do Troye Sivan deve ser festejado em plenos pulmões.". Dentro das proporções e respeitando as diferenças entre os dois lançamentos devo dizer que precisamos festejar igualmente o lançamento de Goela Abaixo da banda brasileira Liniker e os Caramelows.

Para quem não conhece, o Liniker e os Caramelows se formou em 2015 e já tem lançado um EP e um álbum em 2016. O integrante mais famoso é a vocalista Liniker que vem se tornando um dos novos ícones da comunidade LGBTQ+ no Brasil devido o seu ativismo. Na verdade, apenas a sua presença dentro do meio fonográfico "oficial" já é algo de uma importância ímpar: negra, pobre, periférica e trans. Se não muito tempo atrás essa combinação de uma artista estaria renegada ao um pequeno nicho, especialmente nas grandes capitais, atualmente a presença da cantora de maneira significativa é um marco que deve ser comemorado por todos que lutam por uma sociedade mais justa. Claro, estamos muito, mais muito longe de sociedade que seja ao menos aceitável, ainda mais com na atual conjectura em que vivemos. Todavia, essas conquistas devem ser festejadas assim como o lançamento de Goela Abaixo que mesmo não sendo sensacional já um pequeno marco na música brasileira. 

Goela Abaixo não é um trabalho genial ou mesmo que fala diretamente sobre causa que envolvem o meio LGBTQI+, mas apenas de existir já garante a sua importância no instante que temos um álbum lançado envolvendo uma artista trans. Parece estranho acreditar que apenas por existir e poder viver do seu talento a cantora é um ato de resistência e luta, mas, infelizmente, no país que mais mata pessoas trans, o simples fato de estar viva já é uma vitória. E a cantora não tem medo de "esfregar" na cara da sociedade a sua existência e, principalmente, o seu direito de fala ao entregar um álbum que, ao mesmo tempo, se baseia em gêneros que um dia foram marginalizados para depois ganharem o mainstream de forma esterilizados. Goela Abaixo é uma terna, elegante e, por vezes, sensacional mistura de soul music, MPB, jazz e blues, criando uma sonoridade não exatamente inovadora que consegue se sustentar pela qualidade instrumental, a sinceridade sonora e a importância por trás do álbum. Acredito que a melhor definição para o álbum é maturidade elegante, mesmo que o álbum não consiga manter o mesmo nível em todas as faixas. Principalmente a primeira parte do álbum, pois apenar de ser recheada de boas músicas que não foram exploradas da forma necessária para alcançar todo o potencial. São algumas boas oportunidades perdidas na construção de faixas que poderiam sair do lugar de serem legais para algo entre sensacionais até geniais. Esse é o caso da simpática Bem Bom que conta com a presença da ótima Mahmundi como apenas uma backvocal de luxo sem explorar as possibilidades que a parceria poderia resultar. Outro problema é que as faixas da primeira meta soam muito parecidas uma com as outras, pois é aqui que encontramos a parte mais "animadinha" do álbum. Batida boas, mas similares. Cadencias envolventes, mas pouco exploradas. Produções certeiras, mas que soam medrosas. A única que consegue sair dessa curva é a divertida e espirituosa Beau e a sua inteligência mistura de português e inglês. Goela Abaixo cresce de verdade quando deixa a sua grande estrela brilhar de verdade: Liniker brilha forte na parte final e eleva o resultado geral do álbum.

Dona de uma voz poderosa, sensual e aveludada, a cantora consegue entregar nas canções mais dramáticas o estofo necessário para que as mesmas possam brilharem em toda as suas magnitudes. Tocantes, singulares e de uma força emocional magnética, as performances finais da Liniker ajuda a colocar a vocalista como uma das melhores vozes da atualidade no Brasil. Mesmo que as composição faltem algo que não consigo colocar a mão exatamente, transitando entre a sensação de falta de substância e a impressão que a banda parece querer se manter "inteligentona" e não deixando o mais simples tomar conta, a cantora consegue dar um sopro de vitalidade, refinamento e profundidade com uma presença vocal envolvente. Esse é o caso da delicada Amarela Paixão que tem apenas um verso, mas defendido com uma graça e versatilidade pela vocalista da banda. Outro momento de confirmação do talento de Liniker é Textão que mesmo sendo apenas uma declamação de uma poesia apresenta mais personalidade musical que boa parte dos trabalhos da Anitta. Todavia, os melhores momentos do álbum ficam por conta da ótima Claridades e a envolvente e sexy Gota. Outros momentos de destaques são a delicada Intimidade e a interessante Goela que lembra um trabalho do Milton Nascimento. Goela Abaixo é um bom imperfeito trabalho, mas que tem uma importância ímpar dentro do cenário fonográfico brasileiro. E espero que possa ser mais um na discografia de Liniker e os Caramelows e uma porta aberta para ainda mais inclusão.

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