30 de março de 2023

Antes Tarde do Que Nunca

The Dutchess
Fergie




Você já se perguntou o que aconteceu com a carreira solo da Fergie? Então, várias e várias essa questão passou pela minha cabeça e levantou várias hipóteses que acredito estão todas certas. Para explorar e explanar quais são essas respostas é necessário voltar no tempo para analisar o que deveria ter sido o começo de uma carreira realmente bem sucedida: o arrasa quarteirão The Dutchess. Antes é necessário entender como Fergie chegou ao seu lançamento.

Stacy Ann Ferguso começou a sua carreira como dubladora de desenhos do Snoopy em que interpretava a personagem Sally durante o começo dos anos oitenta. Na mesma época, a artista se juntou ao programa infanto-juvenil Kids Incorporated que misturava musicais de canções da época com histórias de uma banda formada apenas por crianças, participando por todas as nove temporadas de 1984 até 1989. Logo após o fim do show, Fergie se juntou a sua companha de programa Renee Sandstrom e a cantora Stefanie Ridel e formou o trio Wild Orchid em 1990. Oito anos depois, o trio finalmente lançou o seu primeiro álbum intitulado Oxygen com um sucesso moderado. Entretanto, o trio não conseguiu decolar e acabou em 2003. Nessa época a Fergie começou a ter problemas com pessoais relacionados ao uso de drogas devido a decepção na carreira artística. Nessa mesma época surgiu para o mercado o Black Eyed Peas.

Formado will.i.am, apl.de.ap, Taboo e contando com a presença intermitente cantora Kim Hill, a banda lançou o debut Behind the Front em 1998 com quase nenhum impacto. Dois anos depois, a banda lança Bridging the Gap, marcando a saída de Hill da banda. Apesar de bem longe de sucesso, o álbum ajudou o Black Eyed Peas a ter algum reconhecimento com o público, especialmente o bom desempenho do single Request + Line. Para o próximo álbum, will.i.am convidou a Fergie para ser os vocais de Shut Up. Além de ter saído super bem, a cantora deu a famoso química com a então trio, sendo convida para ser parte oficial da banda. E, queridos leitores, essa talvez tenha sido a melhor decisão dentro da indústria fonográfica dos anos dois mil.

Apesar do grupo ter mudado a sonoridade tendendo mais para o pop e isso ajudou o apelo comercial, a presença da Fergie é que deu aquele famoso toque genial para o estouro comercial seguinte. Dona de uma voz potente e um look marcante (claro, a presença de uma mulher branca ajudou e muito), a cantora foi a peça fundamental para o imenso sucesso do Where Is the Love? que levou ao estouro de Elephunk em 2003, vendendo cerca de nove milhões de cópias e um Grammy. O sucesso continuou com o lançamento de Monkey Business em 2005 com a vendagem novamente de nove milhões, mais dois Grammys e os arrasa quarteirões de Don't Phunk with My Heart e, principalmente, My Humps. Com o reconhecimento e a elevação ao status de estrela, o caminho mais claro para os outros integrantes era seguir a carreira solo. E quem foi primeiro foi a Fergie. O sucesso de The Dutchess como já explicitado foi imenso, mas o que aconteceu para que a cantora não continuasse nessa mesma onda? Analisando depois de tanto tempo consigo apontar três motivos: a volta para o grupo, a concorrência e, por fim, o resultado artístico do álbum. Vamos ao primeiro motivo.

Ao contrário de nomes que fizeram o mesmo na mesma época como, por exemplo, Beyoncé, Justin Timberlake e Gwen Stefani, Fergie voltou ao Black Eyed Peas como integrante para lançar o imenso sucesso The E.N.D. em 2009 e o menos lembrado The Beginning em 2010. Essa nova renovação na sonoridade do grupo indo para o pop/eletrônico ajudou a dar uma nova cara para a sonoridade e a percepção do publico com o que era o Black Eyed Peas não deixando muito espaço para os integrantes brilharem em carreira solo. Aí no final de 2011 veio o anuncio do hiato do grupo e apenas no final de 2017 que foi anunciada a saída da Fergie. No mesmo ano, a cantora lançou o seu segundo álbum: o flop comercial e artístico de Double Dutchess. Foram onze anos de espaço entre o seu debut e o lançamento do segundo álbum, deixando a Fergir completamente esquecida e sem o hype inicial. Beyoncé, por exemplo, lançou o seu debut Dangerously in Love em 2003, voltou para lançar o álbum final com o Destiny's Child em Destiny Fulfilled no ano seguinte para continuar a carreira solo em 2006 com o B'Day. Gwen lançou o debut Love. Angel. Music. Baby. em 2004 e dois anos depois o seu segundo álbum The Sweet Escape para apenas voltar para o No Doubt em 2012 com Push and Shove. O Justin nem se deu o trabalho de voltar para uma despedida do 'N Sync. E durante todo esse tempo surgiram nomes que ocuparam o lugar da Fergie.

Acredito que exista três nomes que ocuparam esse espaço: Katy Perry, GaGa e Rihanna. A Katy retirou o fator do pop comercial divertido e despretensioso, especialmente com o lançamento de One of the Boys em 2008 e Teenage Dream em 2010. Riri retirou o fator ousadia musical ao ter sua sonoridade sendo misturada como pop, hip hop e R&B com a mega sucesso de Good Girl Gone Bad de 2007. E a GaGa trouxe a ousadia e apelo visual aliado a imensa presença vocal com o The Fame em 2008. Até mesmo as pretensões de ser atriz a GaGa alcançou anos depois. Além disso, outro ponto importante é que nenhuma dessas citadas estavam atreladas a um grupo que pudesse atrapalhar suas carreiras solo. E, por fim, outro motivo é o próprio resultado de The Dutchess.

É curioso notar que ao longo dos anos tive fases de relacionamento com o álbum. Na época do lançamento achei sensacional e um dos trabalhos que mais ouvia. Com o passar dos anos, The Dutchess caiu no meu conceito ao notar o quanto o mesmo estava se tornando datado. Após ouvir novamente para essa crítica, o álbum não é tão ruim como comecei a acreditar, mas, sim, ainda acho que os anos não ajudaram muito o seu envelhecimento. E essa é um dos motivos para que a Fergie perdeu espaço ao ter um álbum que era estritamente fruto da sua época e, principalmente, da mentalidade de quem estava por trás. Primeiramente, boa parte do álbum é produzido ou co-produzido pelo will.i.am e, obviamente, a sonoridade aqui ouvida é parte derivada do que o Black Eyed Peas estava fazendo e parte do que o veria nos próximos trabalhos, criando uma capsula do tempo do quer pop naquela época. Então, apesar de ter certa marca da Fergie, The Dutchess sofre da falta da personalidade definida de quem seria a sua estrela. Em segundo e, acredito, o mais importante, a sonoridade do álbum é a cara do que era parte do pop/hip hop/R&B comercial na época: barulhento, clichê, extravagante, raso e rasteiro.

Não que isso seja ruim, mas parte dessas canções da época não envelheceram tão bem quanto outras épocas devido a certos exageros sonoros. Alguns exemplos que canções de sucesso da época que estou referindo é I Wanna Love You do Akon, Temperature do Sean Paul, Girlfriend da Avril Lavigne, Beautiful Girls do Sean Kingston e até Check on It da Beyoncé. Isso é refletido plenamente em The Dutchess. A produção escolhe o caminho do exagero para dar a vida carreira pop da Fergie. E, queridos leitores, isso é visto no começo ao explodir Fergalicious. Prima-irmã de My Humps, a canção é um electropop mistura com hip hip extremamente frenético, repetitivo, sem meias palavras sobre a sua sexualização e que beira a vergonha alheia. Entretanto, o que faz a canção funcionar melhor que o esperado depois de tantos anos é total falta de puder em criar tamanha loucura, especialmente devido a sua duração de quase cinco minutos (na versão para radio dura cerca de quatro). Assim que o álbum começa a sua viagem para o mundo exagerado de The Dutchess. É por isso que gostar da canção é o indicio para gostar de boa parte do álbum, pois várias canções estão nessa mesma pegada. Uma pena, porém, que a produção não continua nessa pegada campy/brega/clichê e, por isso, perde boa parte do que poderia o ter feito um clássico.

Em busca de ter apelo maior, a produção apenas para canções mais tradicionais sonoramente, deixando claro todos as falhas do álbum e como o mesmo não envelheceu bem. Por exemplo, All That I Got (The Make Up Song) é uma baladinha mela cueca R&B que parece completamente fora de contexto que só serve para mostrar versatilidade da voz da Fergie. O mesmo serve para a esquecível Velvet, a bonitinha e boba Losing My Ground e a dramática Finally com produção e piano do John Legend. Todas bem produzidas, mas que entram na nossa cabeça e sai pela mesma porta. Além de serem sonoramente menos interessantes, as canções não tem como esconder com as maquiagens da produção o que quanto ruim é o trabalho lírico no álbum. Misturando uma coleção de clichês, exageros linguísticos, lugares comuns, frases feitas, rimas pobres e muita redundância, o álbum tem na péssima ode a maconha Mary Jane Shoes um dos pontos mais baixos do pop daquela época:

When I wear my Mary Jane shoes
I'm just like a child in underoos (Underoos, underoos)
From heart and my soles, I feel like I'm seven (Oh, oh, say)
From my head to my toes it's like I'm in heaven, heaven

Isso sem falar na produção que cria uma arrepiante mistura de reggae, electropop e ska que é de cair o queixo por motivos nada bons. Felizmente, Fergie é uma cantora potente e com um carisma de segura o Titanic afundando apenas no carão. E isso é que faz o álbum se mostrar bem melhor que o esperado ao relevar com ainda mais clareza a estrela da cantora que naquela época estava no ápice. E quando dão um material bom para a mesma, Fergie é capaz de entregar bons momentos. Esse é o caso Big Girls Don't Cry.

Uma das melhores baladas pop dos anos dois mil, a canção é o meio caminho entre o lado extravagante com a vontade da cantora apelar para o um público ao ter uma produção que busca influência em canções pop rock da época ao mesmo tempo que pincela com uma letra cafona e irresistível. Quem viveu a época sabe do tamanho do sucesso da canção aqui no Brasil, especialmente devido a estar sendo tocada todos os dias durante o BBB7. E é uma das canções que melhor envelheceram no álbum devido também a contida, sentimental e marcante performance da Fergie. Quando a cantora também tem em mãos algo dançante e até original, o resultado é a grandiosa e marcada London Bridge. Primeiro single do álbum, a canção é tão divertida que a gente até esquece da mediana composição e se foco na construção bem pensada do instrumental. Outro bom momento que foi reavivado recentemente como sample da música First Class do Jack Harlow é a divertida Glamorous com participação do Ludacris. Acredito que possam até existir outros fatores que não enxergo ou que são de cunho pessoal para a Fergie que explicam o motivo da sua carreira não ter decolado como poderia e deveria. Todavia, The Dutchess é um marco imperfeito e gigantesco da história do pop que precisa ser celebrado.



2 comentários:

Alex disse...

Olá, sempre estou no seu blog e lendo as suas reviews. Faço isso a anos e sempre espero ansiosamente pela sua visão sobre as músicas. Mas eu tenho um pedido a fazer.... já pensou em alterar a cara do blog? Eu sei que essa visão está a anos, mas pelo menos mudar a formatação do texto (tamanho, fonte e espaçamento. Em resenhas maiores, como essa, a leitura se torna um pouco mais difícil.

Jota disse...

Olá Alex,

Muito obrigado pelo carinho. Realmente, como estou a tanto tempo com esse layout já acostumei e nem noto o que você falou, mas analisando o que você apontou vi que realmente tem esses problemas. Prometo que em breve o blog terá mudanças para melhorar. Muito obrigado pelo apoio"