D'Angelo
Fechando o especial do Antes Tarde do Que Nunca sobre a trindade essencial do neo que teve os nomes de Maxwell e Erykah Badu já resenhados chegou a hora de olhar atentamente para aquele álbum que foi o impulsionador inicial do novo gênero: Brown Sugar do D'Angelo.
O ano era de 1995. O R&B era um dos principais gêneros do grande mainstream da música norte americana. Brandy, TLC, R.Kelly, Mariah Carey, Janet Jackson, Aaliyah, Boyz II Men, entre outros eram apenas alguns dos nomes que estavam nos primeiros lugares das paradas. Todavia, esse R&B, apesar com qualidade inigualável, tinha uma carga muito comercial e pouco artístico. É nesse cenário que surge Michael Eugene Archer que seria conhecido como D'Angelo.
Depois de assinar um contrato ao dezoito anos e emplacar algumas canções para trilhas sonoras de filmes como compositor/produtor, D'Angelo começou a trabalhar no álbum que seria o seu debut. Envolvido na cena "undergroud" efervescente da música negra, bem diferente daquela que fazia sucesso, e com influências que vão do gospel até o hip hop e passando pelo jazz, D'Angelo esculpiu a sua sonoridade que refletisse toda essa soma de fatores e, ao mesmo, criasse algo que soasse como realmente novo e, principalmente, oposto ao som naquela época. Compondo quase todas as canções com produção e instrumentalização sua em todas as canções, D'Angelo entregou uma das pedras fundamentais do gênero que, posteriormente, seria conhecido como neo soul.
Ainda no seu inicio de evolução, o neo soul ainda precisava encontrar um caminho para chamar de seu. Mesmo que ainda um pouco cru nesse aspecto, já que a sua obra prima seria o álbum Voodoo cinco anos depois, D'Angelo ajudou o novo gênero a se encontrar ao dar uma cara mais definida. Ao misturar soul, R&B, funk, jazz, hip hop, gospel e blues em apenas um caldeirão e deixá-los "cozinhar" lentamente em um caldeirão temperado com muita experimentação sonora, sensualidade, instrumentalização complexa, composições fincadas em experiências pessoais e vocais que transitam em várias nuances diferentes. E é dessa nova maneira de pensar a música soul que nasce Brown Sugar.
Em apenas dez canções somos convidados para viajar nesse novo mundo tendo como cicerone D'Angelo e sua magnética sensualidade. Cada momento em Brown Sugar é marcada por uma identidade completamente única, mas que nenhum momento se perde com tantas referências usadas na construção da sonoridade. As batidas que podem soar monótonas e repetitivas para um ouvinte menos cuidadoso. Entretanto, ao olhar com cuidado para cada faixa e a sua instrumentalização nota-se a riqueza de cada arranjo em produções que deixam as atuais de artistas famosos soando como amadoras.
Épico sem ser pretensioso, Brown Sugar é um trabalho que parece não envelhecer, pois sua sonoridade soa atemporal e, simultaneamente, parece sempre se renovar. Para uma pessoa desatenta ouvir o trabalho em pleno 2017 e não saber de quando é o lançamento é como estar diante de um CD lançado recentemente, podendo ser comparado a jovens nomes do neo soul como, por exemplo, Frank Ocean e The Weeknd. Todavia, o álbum ainda consegue parecer como uma obra única, lotada de personalidade e com uma irresistível cadencia permeando cada uma das faixas.
A revolução sonora feita por D'Angelo não é só ouvida na construção da sonoridade, mas, também, no cuidado técnico e de produção. É nítido ouvir cada pequeno detalhe instrumentalização colocada nas canções, ajudando a exaltar as influências que o cantor utilizou para elaborar Brown Sugar. Devido a isso, o álbum passa uma impressão de ser um trabalho verdadeiro vindo de um artista real e, não, uma coleção de retalhos unidos para criar a falsa impressão de ser algo genial. A sua genialidade está no fato de não ter qualquer pretensão de ser a obra que iria mudar o cenário musical. Aqui estamos diante de um talentosíssimo artista apenas fazendo a sua arte e nada mais. Isso se reflete na escolha temática do trabalho.
Falando primordialmente sobre amor, D'Angelo faz uma manifesto envolvente, intimo, sensual e, muitas vezes, surpreendente sobre a suas próprias experiências. Tudo feito de uma maneira que quase beira o minimalismo devido a simplicidade de suas composições. Simples, mas com uma carga emocional impressionante como é o caso da Shit, Damn, Motherfucker sobre uma traição e as suas consequências trágicas. De uma poesia singular, Brown Sugar só erra quando não consegue manter a mesma genialidade ao não conseguir manter o mesmo altíssimo nível em todas as faixas como é o caso de Jonz in My Bonz. E mesmo assim a canção é sensacional. Ainda mais com a presença vocal irrepreensível de D'Angelo. Com uma presença essencialmente forte e máscula, mas sem perder a sensibilidade, o cantor desfila performances que mostram toda a sua versalidade vocal ao ir do timbre mais grave e sensual até ao falsete sem perder a qualidade da interpretação. Laçado a quase vinte e dois anos, Brown Sugar continua sendo uma obra completamente atual e, ao mesmo tempo, a frente do seu tempo e que ajudou a pavimentar o caminho para uma nova geração de artistas vinda depois do seu lançamento.
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