29 de agosto de 2021

Primeira Impressão

Surrounded by Time
Tom Jones



Obviamente, os últimos tempos tem sido de constantes loucura em relação ao que vivemos no mundo em praticamente todos os campos das nossas vidas, mas se alguém tivesse avisado que eu iria considerar seriamente a possibilidade de dar escolher o 41° álbum da carreira de um veterano da música britânica ainda acharia que seria uma doideira acima da média. Todavia, ao ouvir Surrounded by Time, o 41° álbum da carreira da lenda galês Tom Jones, posso admitir que as coisas realmente estão acima da média de loucura, pois, até esse momento, o trabalho é o melhor de 2021.

É necessário dizer que nunca desacreditei da capacidade de um artista que está na ativa ao oitenta e um anos de idade desde 1963 que conta com prêmios como o Grammy (Best New Artist em 1966), dois Brit Awards, um MTV Video Music Award, nomeado como cavaleiro pela coroa britânica, vendagens de cerca de 100 milhões de cópias e sucessos atemporais como It's Not UnusualWhat's New PussycatShe's a LadySex Bomb e a famosa regravação de Kiss do Prince com a banda Art of Noise. Além de ser conhecido como o rei de Las Vegas bem antes da invasão de divas pop, Tom sempre foi conhecido por ser um “shape shifter” devido a sua capacidade de entoar como a mesma precisão gêneros variados, indo do pop ao rock para R&B até o gospel com mesma qualidade técnica e de interpretação. O que acontece em que Surrounded by Time é um caminho que sinceramente nunca pensei que o cantor ao seus oitenta e um anos poderia seguir ao entregar uma magnifico, assombroso e espetacular trabalho de art rock que consegue simultaneamente ser uma ode ao gênero e um trabalho de uma originalidade e modernidade ímpar. Parte dessa responsabilidade é devido ao trabalho inspirador do cultuado produtor Ethan Johns.

Conhecido pelos trabalhos ao lado de nomes como Kings of Leon, Joe Cocker, Michael Kiwanuka, Laura Marling e Paul McCartney, Ethan Johns produz sozinho o quarto trabalho ao lado de Tom desde 2010 em Surrounded by Time. Dessa vez, porém, a direção tomada é bem mais experimental e alternativa que os outros trabalhos ao criar uma complexa, intricada, ousada e pomposa sonoridade que mistura vários gêneros entre rock, indie, folk, americana, soul e até mesmo eletrônica para resultar em um sublime trabalho de art rock. Surpreendendo desde o primeiro instante e nunca deixando a peteca cair em nenhum momento, a produção consegue criar toda uma atmosfera a altura e capaz de conseguir unir dois polos tão diferentes (cantor tradicional + sonoridade moderna) sem soar forçada ou desconexa uma da outra. Algo parecido como que o lendário cantor country Johnny Cash fez durante os anos finais da sua vida ao regravar canções de diversos estilos como, por exemplo, Hurt do Nine Inch Nails. Em Surrounded by Time, a produção Ethan Johns parece ainda mais ousada ao não querer exatamente moldar as canções para uma estética que “acomode” a presença de Tom, mas o contrário acontece ao ter o cantor se moldando perfeitamente aos estilos de cada faixa sem perder jamais a sua imensa personalidade.

Em Talking Reality Television Blues, regravação de uma faixa de Todd Snider, a produção cria um desconcertante rock psicodélico/indie folk com forte inspiração dos anos setenta em que Tom não exatamente canta, mas, sim faz uma declamação ritmada que deixa quem ouve com a boca aberta durante os seus mais de seis minutos. Uma performance completamente inesperada do cantor que não quebra e, sim, estilhaça qualquer expectativa em milhões de pedaços devido a sua gloriosa performance mistura com a genial instrumentalização. E tudo isso não cria nenhum ruído para quem escuta, pois parece que o cantor sempre entregou esse tipo de canção toda a vida. E apesar de toda a excelência da produção nada pode superar a experiência monumental de Tom Jones coloca em cada canção.

Apesar de apresentar uma mudança clara de alcance voz em Surrounded by Time em relação a juventude, Tom Jones canaliza tudo isso para a força de suas interpretações e na mudança para um timbre ainda mais grave para dar corpo nas suas performances. Completamente versátil, o cantor dá a importância para faixas completamente diferentes uma da outra em questão de atmosfera e temática. I Won't Crumble with You If You Fall, escrita por Bernice Johnson Reagon, Tom entrega uma performance completamente sóbria e melancólica para uma power balada art rock/eletrônica na mesma intensidade que carrega a versão sombria e devastadora de The Windmills of Your Mind, sucesso de 1968 de Michel Legrand. Sem perder esse majestoso poder de transmutação, Tom se adapta de forma graciosa para dar vida a delicada regravação de I Won't Lie de Michael Kiwanuka para se reinventar de forma espetacular na versão da cantiga tradicional Samson and Delilah. Poucos artistas da atualidade têm essa capacidade tão distinta de ser um mutante vocal com tamanha abrangência, mas Tom Jones coloca cada canção no bolso em um passeio no parque em uma segunda feira qualquer. É necessário apontar que apesar de toda a qualidade envolvida entre produção e artista, Surrounded by Time não seria mesmo sem as geniais escolhas de canções para regravação. Mostrando o quanto é importante uma seleção que possa refletir o artista de todas as formas possíveis, as canções escolhidas podem ter uma variedade de gênero imensa, mas sempre apresentam conexões com a figura de Tom ou/e a estética do álbum. Escrita por Bob Dylan, One More Cup of Coffee restaura essa faceta cronner de Tom, mas carregada pelo peso dos anos. I'm Growing Old de Bobby Cole é uma devastadora crônica sobre envelhecer que ganha significado ainda mais potente e devastadora na voz pesada de Tom. Fechando o álbum surge a catártica Lazarus Man de Terry Callier que invoca a passagem bíblica em uma composição emblemática e poderosa sobre mortalidade. Outras faixas que precisam ser citadas é a folk This Is the Sea (Mike Scott), Ol' Mother Earth (Tony Joe White) e, a perfeita caracterização de Tom, Pop Star (Cat Stevens). Ao terminar Surrounded by Time fica claro que é mais do possível o melhor álbum do ano vim de octogenário em seu 41° álbum, mas, na verdade, se torna difícil um álbum desse não disputar essa alcunha.

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