8 de agosto de 2021

Primeira Impressão

Crooked Machine
Róisín Murphy




Existiu uma época que era relativamente comum artistas pop lançarem um álbum apenas como versões remixes de suas canções e esse trabalho ser reconhecido pelos críticos e pelo público. Michael Jackson (Blood on the Dance Floor: HIStory in the Mix), Madonna (You Can Dance) e Jennifer Lopez (J to tha L–O! The Remixes) são apenas três exemplos importantes dessa tendência que parece estar morta dentro do mainstream, especialmente depois da recepção bem ruim entre os fãs de Club Future Nostalgia da Dua Lipa. Entretanto, Róisín Murphy não é exatamente o tipo de artista que liga para tendências, pois a mesma resolveu lançar Crooked Machine, o álbum remix do seu sensacional Róisín Machine do ano passado. E como uma boa desordeira da ordem, a artista entrega uma verdadeira pérola ao ir contra a norma, mesmo que o resultado final perca força ao ser comparado com o original.

Crooked Machine não apenas reuni versões remixes das canções de Róisín Machine, mas, sim, reconstruções de quase todas as faixas sob a tutela de Richard Barratt, produtor das canções originais e também conhecido como Crooked Man. Ao trabalhar com o mesmo produtor, o álbum remix passa a sensação de segurança nas decisões, pois, obviamente, o público está ouvido as faixas pela visão de quem já as conhecem profundamente. Felizmente, o problema das mesmas soarem apenas versões estendidas é logo deixado de lado no instante que se percebe que estamos diante de verdadeiras remontagens sonoras, utilizando apenas as bases sonoras, líricas e vocais. Em várias faixas é possível notar a presença de novas composições e vocais gravados por Róisín, aproveitando apenas a mesma temática. Nem os nomes originais são usados na integra, mas, sim, reconstruções como, por exemplo, de Incapable para Capable Rhythm. Além disso, a mudança mais clara aparece nos gêneros principais utilizados nos dois trabalhos, sendo o original foi uma viagem electropop, house, EDM, techno e pop alternativo e o remix um mergulho de cabeça na house/tecno. Resultando em batidas mais claramente dançantes, Crooked Machine é uma eletrizante volta as pistas das casas noturnas mais “fritantes” sem perder a imensa elegância e inteligência dos trabalhos de Róisín Machine.

Tudo começa pela épica Kingdom of Machines, remix da também espetacular Kingdom of Ends, que já abre o álbum com os dois pés fincados no deep house com uma batida extremamente a base de basslines. E logo de cara é apresentado a cara de Crooked Machine ao ser uma verdadeira maquina do mais puro e refinado eletrônico. Menos pomposa está Capable Rhythm, versão remix da funk disco Incapable, que reconstrói a canção em uma batida crua e orgânica sem perder o soul original. Mesmo perdendo algum espaço para as construções sonoras, Róisín Machine continua a espalhar a sua personalidade larger than life e completamente charmosa por todas as canções, deixando sua marca de diva de forma charmosa e única. Isso bem claro em Assimilation, versão de Simulation, pois “Róisín coloca o seu toque de bruxa pop para entregar uma canção nada comercial, mas que faz a gente querer se levantar para dançar como se não houvesse amanhã”. E esse nível tão alto é porque os melhores momentos de Crooked Machine ainda estão por vim.

Sem ser exatamente um destaque no álbum original, Shellfish Mademoiselle ganha uma nova vida na deslumbrante Crooked Madame. Completamente remodelada, a faixa é uma grudenta house/disco que aproveita cada segundo dos seus mais de sete minutos para criar uma atmosfera elétrica e “dirty” a medida certa. Less Is More recria o ótimo single Something More em um dos momentos menos reconstrução e, sim, um remix de forma tradicional. E, mesmo nessa mudança em relação a ideia geral, a faixa é um trabalho impactante e com uma riqueza de detalhes e texturas impecáveis. Outros momentos que precisam ser citados ficam por conta da cadencia envolvente e sintética de Name Changer (Game Changer) e a explosão de We Are the Law que, mesmo não chegando aos picos de Murphy's Law, ainda mostra que canções geniais é quase impossível estragar. Funcionando basicamente como um novo álbum que não precisa ouvir o seu antecessor, Crooked Machine se torna uma obra indispensável em 2021 de uma artista que não tem medo de recriar a sua própria musica quase do zero e muito menos ressuscitar uma tendência praticamente morta.

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