17 de fevereiro de 2023

Primeira Impressão

My 21st Century Blues
RAYE




A indústria fonográfica pode ser cruel com seus próprios talentos, transformando uma carreira que poderia ser genial em apenas uma história de sonhos partidos e esquecimento. Esse poderia ter sido o caso da britânica Raye. Depois de anos presa em contrato com uma grande gravadora que nunca soube exatamente fazer com a cantora ao tentar a fazer algo que a mesma não se encaixava ao ir de diva pop descartável até rainha dos featuring de canções de DJs, a cantora rompeu o seu contrato e começou a sua jornada como artista independente. E, felizmente, os deuses da música sorriram para a artista ao alcançar o sucesso comercial com o hit viral de Escapism. Entretanto, a grande conquista da Raye é poder ser ela mesma e liberar todo o seu potencial. E o resultado é o seu impressionante e já clássico debut My 21st Century Blues.

Obviamente, o talento da já se mostrava mesmo com as rédeas da gravadora. No EP Euphoric Sad Songs de 2021 terminei afirmando que “o EP é uma auspiciosa e inspirado trabalho da RAYE que está alguns passos de se tornar a próxima estrela do pop”. E agora a mesma confirma isso ao entregar um álbum tão único, pessoal e revigorante que a coloca de vez no caminho certo. A liberdade conseguida pela carreira solo é vista em My 21st Century Blues no momento que a gente percebe os riscos, experimentos e quebras que a produção vai para explorar todas as possibilidades que a Raye pode entregar. E parte dessa responsabilidade é “culpa” do produto Mike Sabath que tem a sua presença por todo álbum. Acredito que o mesmo seja a cola que liga os pontos e a lixa que apara os pontos da grandiosidade sonora. Misturando pop, R&B, pop soul, pop rap, pop soul, indie pop, electropop, My 21st Century Blues é uma exercícios em buscar saídas difíceis, inesperadas e complicadas para sempre extrair o mais refinado suco de originalidade. E, queridos amigos, entregar um álbum dentro do reino do pop e ter a capacidade de ser totalmente autoral do começo ao fim é algo raro e impressionante, mas é isso que a trabalho vai se desenrolando em cada curva ou/e mudança de direção. Sempre surpreendente, revigorante e excitante, o álbum apresenta é uma verdadeira metralhadora de explosões em formas de música que faz gente ficar na beirada da cadeira esperando os próximo o momento de pura genialidade. E o ápice é a canção que fez o mundo se (re)apresentando a Raye: Escapism. “As nuances, texturas, quebras de expectativas e toques de genialidade que são adicionados na produção é algo revigorante, refrescante, eletrizante e impressionante, transformando esse hip hop/R&B com toques de eletrônico, blues e soul em verdadeiro evento de cerca de quatro minutos e meio. Na verdade, a canção é basicamente melhor que toda a carreira de várias contemporâneas de Raye em todos os sentidos. Complexa e com um toque comercial vertiginoso, Escapism é quase um hip hop opera sobre o uso do sexo e de relacionamentos passageiros para criar um muro no nosso emocional para que se possa sentir nada”. Felizmente, My 21st Century Blues não tem apenas uma canção genial, mas uma coleção delas uma seguida da outra. E todas são recheadas pelas composições mais devastadoras do recente cenário pop.

Conceitualmente, My 21st Century Blues é sobre traumas, dores e o processo de cura que a cantora passou na vida intima e profissional nos últimos anos. E isso é até relativamente comum, mas a imensa capacidade estética de incorporar sentimentos profundos, complicados e pesados em um invólucro de criatividade é algo de cair o queixo até mesmo nas canções menores do álbum sem nenhum tipo de amarra e de uma coragem única. O resultado é áspero, denso, maduro, vigoroso e desconcertante em que podemos quase sentir de verdade, mas devido ao apuro criativo e lírico o resultado nunca se torna pesado ou/e sufocante. A facilidade da artista de mudar de foco temático de uma canção para outra é impressionante, pois tudo parece conectado devido ao tom autoral e uma orgânica transição entre as canções. E o melhor exemplo é a trindade que abre o álbum.

Em Oscar Winning Tears, a cantora entrega uma história ácida e em tom de livramento sobre finalmente ter se livrado do boy lixo em que associa as atitudes falsas como uma atuação que vale o Oscar. Logo em seguida, o álbum entrega a sua composição mais forte em Hard Out Here em que a mesma detalha a sua luta dentro da indústria fonográfica: uma “poderosa e profunda composição que é basicamente uma reintrodução da cantora ao expressar seus sentimos sobre o tratamento que a indústria fonográfica e a sociedade vêm fazendo a mesma passar durante a sua vida toda”. Voltando a falar de relacionamento, “Black Mascara dá espaço para a artista explorar assuntos de forma mais profundo ao entregar uma excepcional crônica sobre o fim do relacionamento tóxico e como irá se reerguer com uma estrutura ousada e inspirada”. Em nenhum momento, porém, sentimos que é pesado a mão para criar algo que seja pesado e chocante apenas pelo simples fato de ser. O que temos é o desabafo sincero, tocante e desconcertante de uma pessoa que passou por poucas e boas para chegar onde está na sua vida pessoa e profissional. E isso a Raye faz emoldurado em uma elegante, inteligente e com um refinado tino pop possível, lembrando o Lemonade da Beyoncé. Outros momentos que merecem destaque são a balada blues/soul sobre usar drogas como uma escapatória em Mary Jane, devastadora indie pop/R&B Ice Cream Man em que a mesma relata sobre um abuso que sofreu de um produtor e a força que precisou ter para superar, a soul/R&B The Thrill Is Gone que busca inspiração no clássico homônimo de mesmo nome do B. B. King, a balada mid-tempo R&B Worth It e a parceria com a cantora Mahalia na sexy Five Star HotelsMy 21st Century Blues nasce já como um clássico devido, principalmente, a resiliência e o imenso talento da RAYE.

 


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