19 de janeiro de 2021

Primeira Impressão

Notes on a Conditional Form
The 1975



Quando era adolescente conheci um garoto que não gostava de pizza. Naquele momento da minha vida achei essa característica uma das coisas mais estranhas que tinha visto, pois na minha cabeça achava que todo mundo gostava de pizza. E, apesar de crescer e mudar a minha mentalidade, sempre fico um pouco cismado quando sou deparado com alguma coisa que gosto muito e descubro que outras pessoas não tem a mesma opinião. Isso acontece menos nos últimos anos, mas ainda surge casos que fico surpreso em ver o desgosto de pessoas por algo que tenho em alta estima. O caso mais recente foi o álbum Notes on a Conditional Form, quarto álbum da banda britânica The 1975. Lançado em 2020, o álbum gerou uma divisão entre quem adorou o resultado e quem odiou de verdade. E o mais surpreendente é o fato dessa polarização não ser apenas em relação ao público, mas, também, entre os críticos especializados. Na minha visão, fico do lado dos “apoiadores” de Notes on a Conditional Form, apesar de alguns pontos que precisam ser criticados. 

O álbum continua a saga para que o The 1975 seja a banda mais prolifera sonoramente do atual cenário mainstream, pois Notes on a Conditional Form é uma jornada de oitenta minutos de duração com vinte e duas faixas. Característica essa que sempre a banda carregou, mas aqui encontra outro nível. E é aqui que se encontra o principal problema: ao escutar na sua totalidade, o álbum faz a gente se dispersar devido a sua duração longa. Na metade do álbum você começa a pensar em outras coisas ou/e tem a sua atenção tirada. Por isso que, pela primeira vez de forma consciente, tirei uma pausa de uns quinze minutos para “descansar” para depois voltar com foco renovado para terminar de escutar o trabalho. Esse problema pode afastar várias pessoas de escutar o álbum, mas quem perseverar irá se deparar com um álbum grandioso; 

Notes on a Conditional Form é dono de outra qualidade/característica do The 1975: a profusão de gêneros explorados. Sonoramente, a melhor definição para o álbum é indie pop/rock, mas a prática é que o público é contemplado com pop, synthpop, industrial, electropop, rock, punk pop, folk, dance-pop e UK garage em um caldeirão suntuoso, refinado e carismático. Nas mãos de uma outra banda, essa mistura poderia desandar de forma irremediável, mas existe uma sinceridade orgânica e verdadeira na maneira que o The 1975 conduz a sua sonoridade. Logo nas primeiras faixas do álbum já é possível entender o que estou escrevendo. Tudo começa com a faixa padrão da banda que leva o seu nome: The 1975 é normalmente uma faixa instrumental, mas dessa vez a delicada instrumentalização é acompanhada pelo discurso da ativista ambiental Greta Thunberg. Em um discurso forte, urgente e poderoso, a jovem ajuda a abrir Notes on a Conditional Form de maneira retumbante e estranha, abrindo espaço para a suntuosidade estranha que o trabalho se desenrola. Logo em seguida surge Peopleuma dance punk/punk rock. Surpreende ao extremo, a canção poderia ser uma tentativa desesperada de mudar a sonoridade da banda, errando miseravelmente em todos os requisitos. Isso, felizmente, passa longe de ser a realidade, pois People é eletrizante, bem construída e orgânica faixa que resulta em um trabalho realmente orgânico para o The 1975”. Mudando radicalmente está a presença da delicada ambiental com dubstep/eletrônica Frail State of Mind. Por sua vez, a canção abre espaço para o aparecimento de um dos pontos altos do álbum: a aveludada e sentimental The Birthday Party e a sua construção elegante de folk, emo e country pop. Ao atirar para todos os lados nem sempre o alvo é acerado, mas, felizmente, a qualidade técnica é primorosa. Aplica-se esse elogio para as sensacionais composições, mesmo que o álbum saia de um lugar e parece chegar exatamente no mesmo lugar. 

Escritas em quase a sua totalidade apenas pelo vocalista Matthew Healy e pelo baterista e produtor George Daniel, as letras em Notes on a Conditional Form falam sobre uma gama de assuntos pessoais como ansiedade e depressão, romances envernizados por uma tinta contemporânea e assuntos como mudança climática. Assim como a sonoridade, a banda atira para vários lados em que parece que nada conversa com nada, mesmo que exista alguns momentos de dialogo entre faixas. Ao que parece. O The 1975 não tem exatamente uma intenção de fazer o público ser levado para nenhum lugar, mas, sim, quer que a gente aprecie essa viagem esplendorosa e que apresenta alguns dos melhores momentos de 2020. O melhor deles é a genialidade simples e acachapante de Jesus Christ 2005 God Bless America com a presença de Phoebe Bridgers. Uma contida indie rock/folk, a faixa “tem uma composição avassaladora sobre se sentir deslocado do resto de mundo devido a sua condição sexual. Ao narrar uma crise existencial de uma pessoa tem que lidar com sentimentos que vão contra o que a sociedade a sua volta diz ser errado, especialmente em relação a religião e os seus dogmas. Com uma impressionante simples composição, Jesus Christ 2005 God Bless America entrega uma profunda, complexa e tocante letra que emociona verdadeiramente e deixa uma marca profunda em quem ouve”. O outro momento de genialidade se encontra na envolvente You're Too Shy (Let Me Know) ao ser “uma nostálgica, inspirada e deliciosa pop rock com toques fortes de new wave que nos transporta diretamente para uma trilha de um filme dos John Hughes lançado na metade dos anos oitenta. É como se estivéssemos ouvindo o single dentro de máquina do tempo, caindo em um quarto de uma adolescente ouvindo a canção em seu novos toca fitas. Tirando as referências sobre tecnologia moderna, a composição da canção narra uma típica, clichê e ainda extremamente eficiente história de amor teen em que garoto tímido se apaixona por garota descolada e vivem tremendas aventuras”. Poderia ficar aqui falando de várias outras faixas de destaque, mas, acreditem, existem uma lista bem grande de canções que terem a sua qualidade elogiada. Ainda mais com um álbum com tantas faixas. Todavia, irei apenas citar três outros momentos que merecem um carinho especial: Nothing Revealed / Everything Denied é uma excepcional e inusitada mistura de indie, R&B, jazz, gospel e rap (?!) que funciona melhor que o esperado, Playing on My Mind poderia estar sonoramente nos últimos álbuns da Taylor Swift e, por fim, mas não menos importante, está a instrumental e bela Having No Head que poderia estar na fantástica trilha da animação Soul. Apesar de ter sido lançado em Maio passado, Notes on a Conditional Form fecha o meu ciclo de avaliações de 2020 com chave ouro.

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