12 de janeiro de 2021

Primeira Impressão

Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞
Kali Uchis





O segundo álbum de um artista é possivelmente o passo mais complicado na carreira de qualquer um, pois tudo construído no debut pode ir pelo vento devido a qualquer erro cometido. Normalmente, o segundo álbum tende a ser um movimento seguro e sem nenhuma grande mudança, especialmente se o álbum anterior foi sucesso de público ou/e critica. Por isso, ouvir Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞, segundo álbum da Kali Uchis, é uma experiência realmente surpreendente já que a cantora resolve arriscar ao mudar o foco da sonoridade do auspicioso Isolation de 2018 de um indie pop/R&B para uma mistura de latin pop/indie pop. No papel pode até parecer algo natural, ainda mais se lembrarmos que o primeiro álbum já tinha toques de música latina devido a ascendencia da cantora, mas o resultado aqui é uma mudança bem drástica que, felizmente, se segura bem melhor que o esperado em um álbum inesperado.

Para qualquer ouvinte menos cuidadoso, a grande diferença entre o primeiro álbum e esse segundo trabalho é basicamente a língua e algumas diferenças sonoras aqui e ali. Todavia, Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ é uma guinada de 180° para o primeiro álbum no momento que a cantora deixa de lado a base que conquistou de público e de critica para corajosamente se lançar em um caminho excitantemente novo. Apesar de ainda manter uma estrutura R&B/indie/alternativa, Kalis mergulha fundo nas suas próprias raízes ao trazer com força a música latina em várias de suas vertentes, indo do tradicional ao reggaeton. Um caldeirão fervilhante, excêntrico e ousado que poderia não funcionar, mas, felizmente, a prática passa bem longe de um desastre total. E vamos já tirar da frente o grande defeito do trabalho: a falta de estofo. 

Com treze faixa e com menos de trinta e cinco minutos de duração, Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ termina muito mais rápido que o necessário para que a ótima produção realmente pudesse decolar de forma esplendorosa como a sua execução vai prometendo e nunca alcança. Ao contrário de outros álbuns recentes, o trabalho de Kalis poderia se favorecer drasticamente de uma duração maior para as suas faixas que tem em média dois minutos e meio. Talvez uns dez minutos a mais poderia ser ideal para criar essa sensação de completude que falta aqui. Felizmente, o recheio ainda é um doce, melódico, sensual e aconchegante encontro do latin music com o R&B que deixa claro que Kalis é uma artista sem medo de surpreender na busca do seu ideal musical. 

Soando como aquela sonoridade que ouvimos nas rádios FM destinado a um público mais adulto e refinado, sendo perfeita para ouvir em uma noite lenta e preguiçosa de sexta-feira, Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ sabe muito bem como bem fazer o encontro entre o tradicional e o moderno de forma orgânica e fluída. Apesar de não chegar ao nível da Rosalía em El Mal Querer em relação a música espanhola, o trabalho de Kalis é um respeitoso e interessante estudo de vários estilos e gêneros latinos que surgem como um desfile centrado, elegante e bem produzido que pode até se aprofundar nas ideias, mas tem um verniz robusto e inteligente. Gosto especialmente das cinco primeiras faixas de Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞, pois aqui é possível ouvir claramente o refinado encontro entre todos os polos que álbum sustenta: La Luna Enamorada abre o álbum em forma de poesia cantada que remete aos seresteiros dos anos quarenta/cinquenta do México, Fue Mejor segue o fluxo com uma batida que mistura de forma elegante indie R&B, latin pop e hip hop com a presença do rapper PartyNextDoor, a sexy e envolvente. //Aguardiente y Limón %ᵕ‿‿ᵕ% continua o álbum com a sua produção latin pop e trap de forma esplendorosa no melhor momento solo do álbum. Aquí Yo Mando, single do álbum, entrega uma dançante e sensual mistura de hip hop com reggaeton que tem a presença de Rico Nasty. Voltando ao lado mais tradicional aparece Vaya con Dios que se usa de uma base forte para entregar uma dramática indie pop com toques de pop rock e, por fim, a outra intro Que Te Pedí// tem um elegante tom cinematográfico que dá classe para o álbum. Nada disso seria possível, porém, sem a presença iluminada e resplendente das performances de Kali Uchis que domina cada canção de forma grandiosa e com uma versatilidade espantosa ao ser hora a diva moderna e contida de R&B, hora sendo a cantora com toques old school de segura uma nota alta até o fim e hora sendo uma deliciosa mistura das suas personas. Misturando liricamente inglês e espanhol com perfeição, outros momentos que se pode citar são a fofíssima Quiero Sentirme Bien e a comercialmente dançante reggaeton Te Pongo Mal (Préndelo) com o duo Jowell & Randy. A coragem da Kalis Uchis de entregar um álbum como Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ é umas melhores surpresas de 2020 e um certificado de qualidade de primeira para o futuro da cantora.



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