26 de março de 2015

Primeira Impressão

To Pimp a Butterfly
Kendrick Lamar




O final de To Pimp a Butterfly, novo álbum do Kendrick Lamar, é emblemático: o rapper encena uma entrevista com o rapper falecido TuPac Shakur. O falecido rapper é considerado como por muitos como o maior rapper de todos os tempos, não apenas pelo talento, mas, principalmente, pela sua imensa consciência sócio-política que sempre levou para as suas composições falando sobre principalmente sobre racismo. No final da faixa Mortal Man, Kendrick "entrevista" TuPac utilizando uma gravação do mesmo em um bate papo para uma rádio. O teor dessa conversa é basicamente sobre a arte do rap e o futuro, mas a atmosfera dessa encenação é mais sobre um fã reverenciando o seu ídolo e, mais importante, pedindo a sua autorização para continuar o seu legado. Apesar de poder soar como pretensão demasiada, a ideia de realizar essa "entrevista" se valida devido ao simples fato de que em To Pimp a Butterfly faz com que Kendrick Lamar se transforma no legitimo sucessor de TuPac Shakur.

Depois de entregar um verdadeiro clássico moderno no seu genial segundo álbum good kid, m.A.A.d cityKendrick Lamar tinha nas mãos um trabalho quase digno de Hércules: superar ou igualar ao trabalho anterior. To Pimp a Butterfly não é melhor que good kid, m.A.A.d city, mas consegue se equiparar no mesmo patamar de qualidade. Porém, o novo trabalho está em outro lugar bem distante do que poderia se esperar em relação a sonoridade: a produção se arrisca completamente desconstruindo o hip hop de qualquer clichê, lugar comum ou mesmo do tradicionalismo para reconstruir o gênero de uma maneira espetacular criando uma sonoridade magistral e completamente única para o rapper.

Para construir o álbum, a produção remodela o tradicional hip hop em algo que transgride o gênero ao misturar vários elementos de origem completamente diferentes do esperado como, por exemplo, o jazz. Sim, apesar de pouco usado, o jazz já foi usado para dar substância para músicas de hip hop, mas no álbum de Kendrick essa mistura encontra a medida para perfeita para soar como se fosse um estilo já fixado. Porém, não para por aí, pois To Pimp a Butterfly é muito mais rico e profundo. O álbum vai viajando por outros gêneros que vão se agregando a sonoridade de Kendrick como o blues, o R&B clássico e contemporâneo, soul, funk e spoken word. Várias vezes tudo isso acontece em uma mesma faixa. Com a excelente parte técnica dando a base para essa evolução/revolução na sonoridade do rapper, To Pimp a Butterfly se torna uma obra impecável, ousada, pesada, cheias de camadas, inspiradora, densa, dark, estilizada, cativante, coesa, sólida e destruidora de pré-conceitos sobre o que é o hip hop, isto é, o álbum pode ser o começo de uma nova fase para o gênero. Gostar ou não do que a produção fez é do gosto pessoa de cada um, mas o que precisa se ovacionado é o que faz o próprio Kendrick no álbum.

Não há como negar as habilidades do rapper como rapper, mas em To Pimp a Butterfly mostra a elevação dele em seu oficio ao mostrar uma versatilidade incomparável. Kendrick vai do tradicional até os mais diversos estilos e nuances sem perder nada da sua personalidade. Cada escolha reflete na construção das músicas, pois dá ainda mais significado para a produção em si. Não importa, porém, qual a escolha que o rapper faz, pois há sempre há a atmosfera de urgência em cada performance como se a vida de Kendrick dependesse de que as pessoas ouçam o que ele tem para dizer. Essa necessidade é bem parecida com o poder que emanava da voz de TuPac, mas o que coloca o Kendrick como o verdeiro sucessor do seu "mestre" são as composições.

Esqueça os temas recorrentes da maioria dos rappers ou da maneira como eles falam sobre os mesmos como, por exemplo, fama, dinheiro e mulheres. Em To Pimp a Butterfly, esses temas são vistos e expostos de uma maneira bem visceral. Kendrick não se deixa cair em lugares comuns e sempre mantem um qualidade elevadíssimo. Todavia, esses temas são apenas coadjuvante, pois o principal assunto de To Pimp a Butterfly é uma narrativa sobre as reflexões sobre a situação dos negros perante a sociedade americana. Em forma de crônicas que tratam sobre racismo, o cotidiano, amor, depressão e a própria imagem do que é ser negro para os negros, To Pimp a Butterfly mostra a capacidade analítica e de exposição de suas ideias de Kendrick em crônicas impressionantemente forte, atuais e geniais. Assim como fazia TuPac, Kendrick faz das composições veículos de reflexões profundas sobre a sociedade unindo com excepcional visão estética.  To Pimp a Butterfly e faixas como Wesley's Theory, King Kunta, Alright, Hood Politics, Complexion (A Zulu Love), The Blacker the Berry Mortal Man consolidam Kendrick Lamar no panteão entre os melhores rappers de todos os tempos e, sem dúvidas, com a benção de TuPac.

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