7 de dezembro de 2025

Primeira Impressão

LUX
ROSALÍA





Fazia algum tempo que eu não ficava tão perplexo depois de ouvir um álbum quanto fiquei após minha primeira sessão com LUX, o quarto álbum da carreira de Rosalía. E isso me levou à necessidade de escutar o álbum mais algumas vezes para conseguir compreender melhor toda a grandiosidade que estava diante de mim. Felizmente, após alguns dias e algumas reouvidas, acredito que finalmente tenha colocado meus pensamentos em ordem para expressá-los de maneira justa sobre LUX.

Preciso dizer que o álbum não é exatamente o melhor do ano. Chega bem perto, mas, objetivamente, não deve ocupar o meu posto de número um. É, porém, o melhor da carreira da cantora, transformando-se em sua magnum opus, sem dúvida nenhuma. E isso vindo de uma artista que entregou dois álbuns anteriores que poderiam facilmente ter essa alcunha dentro da sua discografia. Todavia, LUX está alguns estágios adiante ao ser basicamente o oceano que recebe todas as construções sonoras que a cantora vem desenvolvendo na carreira até o momento, conseguindo nos fazer entender perfeitamente qual foi o caminho traçado e, ao mesmo tempo, nos arrebatar com sua gigantesca força criativa.

A primeira coisa que a gente precisa entender é que o álbum funciona, de certa maneira, como o final apoteótico de uma trilogia que Rosalía vem desenvolvendo, mesmo que não de forma totalmente consciente. Uma trilogia que chamarei de “a trilogia experimental da Rosalía”.

Em EL MAL QUERER temos “o resultado da união da constância do tradicional com a inovação do moderno, criando algo novo e realmente excitante”, pois o álbum mostra a cantora pegando todas as suas influências da música tradicional espanhola e as atualizando para a contemporaneidade sem perder nenhuma essência. Motomami é Rosalía expandindo sua visão para além-mar ao buscar referências na América Latina, fazendo “a decodificação e reconstrução do Latin Pop, especialmente — e mais evidentemente — do reggaeton”. Ao experimentar com escolhas sonoras, influências, gêneros e estilos, Rosalía criou sua própria versão de pop, baseada em sua formação musical e acadêmica como poucas artistas possuem. Em LUX, a cantora pega toda essa bagagem pesada e substancial para não se focar diretamente em um objeto delimitado, mas, sim, na própria concepção do que é pop e suas imensas possibilidades.

A produção, capitaneada pela própria Rosalía, recolhe tudo que foi feito anteriormente — referências, desconstruções, experimentações e realizações — para se voltar a um escopo maior e mais amplo, fazendo de LUX essa jornada pelo pop segundo Rosalía. E, para isso, foi preciso, primeiramente, garantir que a base fundamental do álbum fosse capaz de sustentar tamanha grandiosidade idealística. E, queridos leitores, isso é um dos pontos que fazem toda a diferença para que o álbum funcione e vá muito além do esperado: o trabalho instrumental apresentado.

Dentro do que podemos chamar de “diva pop”, Rosalía é uma das melhores artistas na construção instrumental de seus álbuns. E em LUX estamos diante do melhor trabalho de sua carreira — e um dos melhores dos últimos anos. E também pudera: para carregar o peso titânico que a produção constrói, era preciso algo que pudesse sustentar tanta força criativa pulsando plenamente. O caminho aqui foi aumentar o volume das melhores qualidades que a cantora sempre apresentou à décima potência, adicionando ainda novas camadas para criar uma coleção de arranjos intrigadíssima, inspiradíssima, preciosíssima e grandiosíssima, que fazem quem escuta o álbum ser tragado para uma experiência fantástica, inesquecível e única.

E, queridos leitores, todos esses superlativos poderiam soar falsos se não fossem a mais pura verdade: LUX é um deslumbre sonoro instrumental. Trabalhando com influências diretas de música orquestral e clássica, a produção evita caminhos fáceis e, em vez disso, escolhe trilhas mais difíceis ao não negar a inclusão real de instrumentos clássicos e tradicionais, moldados ao bel-prazer dos desejos criativos em busca dessa exploração experimental. É a fusão entre pop, experimental e clássico de uma forma que tudo se transforma em uma única, uniforme e resplandecente massa orgânica, na qual nenhum componente perde função, mas que também cria um novo material: o gospel do art pop pela Rosalía.

Nessa jornada, LUX se transforma não apenas no mar que recebe todos os caminhos que a cantora já percorreu, mas também em um novo elemento na sua carreira ao pegar suas influências, acrescidas de novas, para criar sua visão do que seria, de maneira geral, o art pop. Gênero já bem discutido aqui no blog, com uma definição simples e explicativa encontrada facilmente no Google: “um movimento artístico visual dos anos 50/60 que usa imagens da cultura de massa com cores vibrantes e repetição; ou um gênero musical que mistura pop com elementos de arte, vanguarda, eletrônica e visual, com artistas como David Bowie e Björk, focando em experimentação e alta conceitualidade”.

E é exatamente isso que a cantora faz aqui ao transformar sua visão de pop em uma furação devastadora ao adicionar gêneros como indie pop, avant-pop, flamenco, eletrônico, orquestral, clássico, R&B, trap, hip-hop, pop, entre outros, sem esquecer suas influências mais específicas como o Latin Pop e o flamenco, além de novas explorações como gospel e fado. Desse caldeirão multifacetado surge a imensidão da base de LUX, pois o brilho principal do álbum está no que é feito com tudo isso para construir o monumento que ele é.

Com tantos elementos sendo usados na base e na construção, tudo poderia facilmente resultar em algo grandioso, mas já nascido com falhas graves e rachaduras. Isso, no entanto, nem chega perto de acontecer: tudo é erguido com um esmero cativante, profundamente inteligente, reluzentemente criativo e com uma força genuína que dá conta de tudo que esse monumento sonoro exige. Isso é realmente surpreendente, pois, ao seguir o caminho em que cada canção se torna um pequeno universo sonoro — com influências e construções próprias —, a produção tem ainda mais trabalho para que tudo seja bem amarrado no contexto geral, criando um trabalho coeso e coerente, e não um Frankenstein com ótimas partes, mas sem um fio condutor. E LUX tem, em uma canção central, basicamente um “resumo” do que podemos esperar do todo: a incrível Berghain.

Deixando de lado algumas influências dos seus trabalhos anteriores, mas continuando a explorar os limites da sua sonoridade, ‘Berghain’ é um trabalho inesquecível que mistura, de maneira genial, art pop, música clássica, avant-garde, orquestral, operático e barroco para criar uma verdadeira pièce de résistance na carreira da cantora. Mostra não apenas sua capacidade, mas também a clara noção de que o ‘pop’ pode ser muito mais amplo e profundo do que algumas cantoras fazem.”

E a canção, apesar de não ser exatamente “a melhor” do álbum, mostra muito bem a intenção central do trabalho ao trazer a presença magnífica de Björk. Além de adicionar “uma tonelada de personalidade e significância à canção”, a artista é o espelho perfeito para entendermos o que Rosalía pretende entregar em LUX, pois claramente o trabalho da islandesa é uma das referências inspiracionais da espanhola. Além dessa referência sonora, acredito que existam outras associações possíveis entre as duas, inclusive no âmbito vocal.

Conhecida pela maneira única e espetacular de misturar sua formação ligada ao flamenco com sua formação clássica/acadêmica, Rosalía sempre entregou performances que a colocam em um nível completamente distinto, ocupado apenas por ela, ao injetar toda essa bagagem em canções pop. Ela tem essa capacidade genial de fazer seu precioso timbre se moldar a canções que, esteticamente, não precisariam de uma voz como a sua para ganhar vida, mas que, com sua interpretação, são elevadas a outro patamar. Em LUX, a cantora encontra um banquete gigantesco, profundo, cheio de sabores e estéticas, no qual pode se deleitar e nos deleitar com performances que vão das sensacionais às geniais, navegando com maestria e brilhantismo por todas as curvas, ápices e surpresas que o álbum revela. E o cume dessa força vocal está na extraordinária Mio Cristo Piange Diamanti.

Cantada em italiano, a canção é uma balada orquestral com influências de baroque pop, gospel, avant-garde, art pop e ópera, na qual a presença transcendental da performance de Rosalía faz com que a faixa se transforme em uma das experiências mais impactantes que tive ao ouvir uma canção nesses muitos anos de blog. Fui abalado pela beleza contida da voz da cantora, que vai se transformando em uma tormenta desafiadora e devastadora até chegar ao final — ao mesmo tempo orgástico e desconcertante devido à sua quebra de expectativa. Uma das melhores canções que tive o prazer de escutar em muitos, muitos anos.

Como dito, a cantora adiciona novas camadas às suas performances vocais ao escolher cantar em outros idiomas. E não são apenas alguns: são vários — espanhol, catalão, inglês, latim, alemão, ucraniano, árabe, siciliano, japonês, italiano, francês, mandarim, hebraico e português. Algumas faixas trazem apenas um verso ou um refrão, outras, como a citada, são inteiras em outra língua. Essa decisão poderia facilmente sair pela culatra se não fosse executada de maneira ideal, resultando em mero exibicionismo pretensioso. Todavia, a forma como a produção conduz o álbum e como Rosalía sempre demonstrou sua vertente artística deixa claro que essa escolha é parte orgânica de sua construção, criando uma simbiose com todas as outras decisões criativas.

E, sinceramente, apenas Rosalía atualmente poderia fazer algo como Porcelana, uma mistura densa, bruta e desconcertante de eletrônico, flamenco, folk, hip-hop e experimental, em que ela canta um verso em latim e outro em japonês, com o restante majoritariamente em espanhol e um verso em inglês entoado pelo rapper Dougie F. E, obviamente, para cantar em todos esses idiomas, é preciso escrever as canções — e isso é outro trunfo de LUX.

Tenho que apontar que este é o “ponto fraco” do álbum, mas ainda assim é simplesmente espetacular e de um refinamento divino. Acredito que, em minha experiência, demorei um pouco mais do que o normal para captar o que Rosalía deseja expressar aqui, mas, aos poucos, fui compreendendo o caminho lírico do álbum ao perceber que ele é uma profunda reflexão sobre a vida, partindo de temas como religião, amor, espiritualidade, feminismo e feminilidade. Parece algo amplo, mas, ao longo das faixas, Rosalía vai delimitando esse universo ao expressar sua visão de forma tão pessoal e distinta que acaba criando crônicas de uma beleza temática avassaladora e estética primorosa. E, quando percebemos que o álbum funciona como o ciclo da vida — começando com o violento nascimento da compreensão da existência na impactante abertura Sexo, Violencia y Llantas e terminando na linda e serena compreensão da morte na emocional Magnolias —, tudo se encaixa.

Outros momentos imprescindíveis de LUX: a construção belíssima da batida de Divinize; a carismática La Perla, com a presença de Yahritza Y Su Esencia — a faixa mais “comercial” do álbum e, ainda assim, impecavelmente artística —; a impressionante e genial parte final de La Yugular; as influências latinas e espanholas e a construção dramática de La Rumba del Perdón; e, por fim, o tocante e belo fado Memória, com a presença da cantora portuguesa Carminho.

LUX é um monumento sonoro que ficará marcado na história da música por ser uma das obras-primas de uma das artistas contemporâneas mais talentosas em atividade. E que assim seja apenas mais um capítulo da brilhante carreira de Rosalía.

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