22 de janeiro de 2017

Os 25 Melhores Álbuns de 2016 - Final







Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV


5. Blackstar
David Bowie


"Quando ouvi na tarde de Domingo o álbum Blackstar, eu já tinha decidido qual caminho tomar para escrever essa resenha. Eu iria ressaltar a importância de David Bowie ainda estar na ativa, a carga sombria que o álbum possui e sua única sonoridade. Esse era o "roteiro". Quando acordei na manhã de ontem, a primeira noticia que li foi da morte de David. Não há como dizer que o sentimento ao saber foi devastador: o mundo perdia um dos seus visionários. Mesmo sem ser exatamente o que se pode chamar de "fã", mas como amante da música não há como não ser um admirador da genialidade do cantor que marcou cinco décadas. Então, a resenha tomou outro caminho bem diferente e mais profundo do que eu pensei originalmente. E que não era o que eu queria.

Com a morte de Bowie, Blackstar é a sua carta de despedida. Então, isso explica todo o tom sombrio que está impregnado em cada momento do álbum. Esse tom é bem mais pesado que no trabalho anterior do roqueiro, o ótimo The Next Day. E, claro, muito melancólico e contemplativo. David parecia que realmente estava refletindo sobre o inevitável fim. Essa atmosfera é lidamente depressivo, soturno e de uma elegância bizarra tão tipica de Bowie. A sonoridade aumenta ainda mais essa áurea sombria, pois David e seu parceiro de longuíssima data Tony Visconti fazem um trabalho de uma ousadia inigualável. Claro, para os padrões de Bowie não era esperado menos.

Blackstar, estilizado como ★, é uma obra que pode ser definida como rock jazz. Entretanto, não apenas uma simples mistura, mas, na verdade, uma fusão desses dois gêneros que é levado as últimas consequências em construções inesperadas, viscerais e que flertam pesadamente com o improviso. Uma instrumentalização riquíssima e de uma qualidade técnica insuperável, as sete faixas do álbum são obras primas e particulares que não para "iniciantes". Quem não conhecer o mínimo que seja da carreira dele, definitivamente não irar apreciar a obra. Quem ouvir, porém, vai compreender melhor essa última fase na vida do cantor em composições quase messiânicas com várias passagens referentes a Bíblia. Lidas agora, as canções parecem soar tão tristes e contemplativas que dão um aperto no coração. Assim com ouvir a voz de David em performances tão vigorosas que parece que nada poderia a fazer calar. Com o clipe de Lazarus sendo a derradeira despedida visual de Bowie, a canção que nome ao álbum é o seu atestado de genialidade final. Blackstar é a despedida de um gênio. Um ser que realmente não era desse mundo e que deve ter voltado ao seu lugar de origem: as estrelas."


4. Love and Hate
Michael Kiwanuka


"Produzido por Danger Mouse (visto recentemente em The Getaway) e os desconhecidos Inflo e Paul Butler, Love and Hate é como se fosse uma viagem no tempo em direção aos anos setenta em que Marvin Gaye decidiu refletir seriamente sobre o mundo a sua volta, lançando os clássicos que redefiniram o soul music: What's Going On de 1971 e Let's Get It On de 1973. No primeiro álbum, Marvin expressou os seus pensamentos em relação a vários assuntos que naquela época eram temas relevantes e que, infelizmente, ainda continuam com a mesmo ênfase como, por exemplo, injustiça social, pobreza, consumo de drogas e, de forma pioneira, aquecimento global. Já no segundo, o cantor fala sobre amor, sexo e todos os sentimentos que ficam entre esses dois. São nesses dois marcos que a produção e Kiwanuka parecem procurar a pilastra base para a construção de Love and Hate, pois é bastante nítido ouvir os ecos de Marvin Gaye a cada segundo do álbum.

Começa pelo incrível sonoridade construída para o álbum: um soul music de uma grandiosidade de tirar o folêgo a cada segundo. Cada uma das dez faixas são verdadeiras excursões vertiginosas em instrumentalizações que parecem querem expressar todo um mundo de emoções e sentimentos. Ao pegar com referência a sonoridade soul dos anos setenta e, claro, tendo como porto seguro o trabalho de Marvin Gaye, Love and Hate abraça uma urgência quase contemplativa. Uma espécie de anomalia temporal ao parecer um trabalho gravado há quarenta ano atrás, mas que também encontra bases sólidas no atual presente devido a presença de traços modernos de gravação. Entretanto, as canções aqui soam completamente orgânicas e de uma fluidez carismática que ajuda a transformar faixas de grande duração em momentos de fácil assimilação por quem ouve. Esse é caso da acachapante faixa de abertura Cold Little Heart e os seus mais de dez minutos, sendo quase metade apenas instrumental. A canção também ajuda a dar o tom da grandiosidade de Love and Hate, mas que tem na presença de uma atmosfera acústica o contra balanço perfeito para não deixar a produção ir além do que é necessário, ou seja, a sonoridade não ganhar ares de soberba e exagero sonoro. Tudo isso é embalado pela magnífica presença dos vocais de Michael Kiwanuka, uma verdadeira força da natureza.

Assim como uma tempestade que começa fraca e aos poucos vai ganhando força, Kiwanuka transita em todo álbum entregando performances inspiradíssimas e um poder contidamente colossal. O britânico não é apenas um cantor com forte presença e alto poder de interpretação, mas, principalmente, é dono de um timbre completamente único e genial. A voz dele parece ser uma junção do soul Gaye com a gravidade de Nina Simone, mas com o forte peso da influência de artistas indie pop/R&B/rock que ajuda a criar a sua personalidade. Na triste I'll Never Love é fácil perceber os vários aspectos que constituem a sua voz em uma performance sensacional. A canção também ajuda, pois a sua simples composição é de um teor dramático impressionante, assim como todas as composições no álbum. "


3. Long Live the Angels 
Emeli Sandé


"Longe do R&B/pop mais tradicional ouvido em Our Version of Events, a sonoridade aqui foi finalizada de uma maneira que pudesse dar vida a uma mistura de soul music com indie folk, gospel e art R&B que, ao mesmo tempo, evocasse uma atmosfera de grandiosidade ao partir de uma alicerces sonoros que beirasse a simplicidade/minimalismo. É dessa fusão que o poder de Long Live the Angels nasce, pois nada é o que parece ser e nenhuma música termina como parecia que iria. Cada faixa é embebedada de uma áurea de pura luz. Todas as faixas têm, também, leves toques sombrios para não soar tudo muito unilateral. Cada momento em seus mais de uma hora de duração mostra um álbum capaz de elevar sentimentos de quem ouvir, mas sem esquecer que a redenção da alma sempre deve ser acompanhada pela fraqueza do corpo. Long Live the Angels ajuda a levar nossos sentimentos as portas do paraíso, sem esquecer-se de deixar tempo para um visita ao fim dos nossos tempos. É ao mesmo tempo moderno em construções rítmicas que encontram abrigo em uma tendência neo soul, porém, assim como as grandes obras deve ser, não esquece de reverenciar o passado em arranjos de uma qualidade técnica impressionante. O álbum olha ao passado com o mesmo olhar que admira o futuro. São canções épicas que partem de um lugar simples e cristalino como água de uma fonte no topo da mais alta montanha. Dessas dualidades é que reside o divino que dá o tom de Long Live the Angels e que tem em Emeli Sandé o ser celestial responsável em ser o veículo ideal para transmitir todo esse poder.

Dona de uma melhores vozes surgidas na última década, Emeli entrega no álbum performances que a colocam como a voz do divino. Tamanha é a força das suas interpretações que a cantora é capaz, em uma mesma canção, transitar entre dois estilos de cantar como se tivesse apenas respirando. Esse é caso da avassaladora Happen e a sua viagem entre o delicado indie pop até o gospel. E assim vai todo o álbum com a cantora segurando qualquer tipo de jornada espiritual como se fosse o trabalho mais fácil do mundo, sempre mostrando versatilidade e poder vocal impressionante sem cair em maneirismos que afetam outras cantoras. Emeli também brilha como compositora, pois todas as canções de Long Live the Angels tem o seu nome creditado como principal autora. E, obviamente, a qualidade continua a mesma de todos os outros quesitos do álbum ao falar sobre empoderamento, não exatamente o feminino, mas empoderamento de alma. Fé, sexo, solidão, decepção, esperança, amor. Esses sentimentos são as bases das ótimas letras que compõem o álbum. E que para tem uma qualidade poética que pode ser compreendida como característica de Emeli: a complexa beleza trivial. Não existe um trabalho na busca de mostrar os sentimentos em versos elaborados e ricos de imagens metafóricas, isto é, a base da escrita de Emile é a sua fácil compreensão sem perder, porém, toda a riqueza de emoções. Talvez em algumas faixas exista uma simplicidade tão grande que dá uma pequena afetada no resultado final como é o caso de Right Now. Não que seja realmente um problema que atrapalhe o resultado geral do álbum. Ainda mais com a presença de canções geniais como Breathing Underwater, Give Me Something, I’d Rather Not, Sweet Architect, Somebody e This Much Is True. Long Live the Angels é uma obra que já se tornou um marco no mercado fonográfico, ajudando Emeli Sandé a gravar o seu nome em algum lugar do Olimpo da música. Mesmo que seja apenas para aqueles que forem tocados pelo seu poder divino."


2. A Moon Shaped Pool
Radiohead


"Analisar A Moon Shaped Pool se tornou uma para mim uma experiência nova e inesquecível assim como deve ser ver uma pintura surreal pela primeira vez. Pensando dessa maneira, avaliar o álbum segue as mesmas sensações de observar a pintura Guernica do pintor Pablo Picasso que mostra os horrores da Primeira Guerra Mundial: a sensação de grandiosidade e perplexidade é completamente avassaladora, mesmo não conseguindo compreender toda a sua complexidade. Começa pela monstruosa sensação de amplidão e solidão que a sonoridade de A Moon Shaped Pool expressa em apenas onze faixas através da sua grandiosa sonoridade e instrumentalização. Entretanto, essa sensação tão poderosa não é conseguida ao utilizar previsíveis construções cheias de pompa e circunstância, mas, na verdade, criando uma atmosfera que transita na tênue entre o minimalista e o complexo. É tão intrigado explicar a sonoridade de A Moon Shaped Pool que é mais fácil explicar que ao ouvir é como sentir todo o peso do silêncio que nos cerca e, ao mesmo tempo, tocar todos os sons do mundo. É extremamente intricado, multifacetado, dinâmico, rico, avassalador, ousado, genial e, principalmente, transcendente de qualquer álbum de rock dos últimos tempos. Definir o gênero aqui como art rock com elementos de eletrônico é limitar magnitude e nobreza do trabalho do Radiohead. Um ótimo exemplo disso é a faixa Daydreaming: uma viagem quase espacial em um caleidoscópio de sons inigualável. A canção também tem uma composição de quebrar qualquer coração sobre aqueles que ainda acreditam no amor sem precisar de muitas palavras para tal feito. Sempre contido em suas letras, o Radiohead entrega uma coleção de faixas sobre amor, perdão e remorso de uma sinceridade crua e nua, mas com um senso estético tão estranho como único. O seu único problema é que as composições parecem funcionar com toda a sua carga em pelo vapor da metade para frente quando surge a trinca genial de Glass Eyes, Identikit e The Numbers. Com a sua voz completamente distinta e performances que apenas ele poderia render, Thom Yorke continua sendo a alma da banda e, por consequência, o que dá a vida para A Moon Shaped Pool. A Moon Shaped Pool é como obra de arte de alguma das vanguardas modernas: não é raro não conseguir compreender plenamente, mas o que mais importa é o turbilhão de sentimentos que a mesma causa em nosso interior."


1. Lemonade
Beyoncé


"Lemonade, oficialmente o sexto álbum da Beyoncé, é sobre empoderamento. Dessa vez, porém, a cantora não está atrás do seu empoderamento como artista, pois o álbum anterior teve essa função, além de abrir, ou melhor, escancarar as portas para a sua defesa do feminismo. O novo trabalho é muito mais pessoal que poderia se esperar e, por isso, o empoderamento aqui é de uma esfera intima e singular na vida da cantora. Lemonade é sobre como Beyoncé se coloca em relação a sua vida no âmbito amoroso e no âmbito social. Lemonade é um relato vivo e poderoso sobre o processo de humanização de uma diva. Lemonade é sobre amar e querer luar por esse direito. Lemonade é sobre desilusões, corações quebrados, traições, perdão e recomeços. Lemonade é uma carta aberta feita de desabafos verdadeiros. Lemonade é um soco no estomago e, ao mesmo, uma acalentadora caricia. Lemonade é o renascimento de uma mulher.

Com a palavra: Beyoncé

Durante as doze faixas do álbum (enquanto escrevo existe a possibilidade do lançamento de uma versão deluxe), Beyoncé abre o coração de uma maneira quase nunca vista no mundo pop nas últimas décadas. Apesar de nomes como Adele e Sam Smith terem feito parecido em seus álbuns, Bey vai ainda mais fundo no tema de "lavação de roupa suja" com "coração partido precisa desabafar", pois todos sabemos de quem a cantora está falando: Jay-Z. Entretanto, Lemonade não tenta esconder por meio de metáforas rebuscadas e alegorias bonitas a dor que a cantora sente ou, mais provavelmente, sentiu. Por meio de relatos da impressa é possível deduzir que o álbum é sobre a turbulência do casamento da cantora e do rapper que ocorreu naquele famoso e infame "incidente" no elevador. As composições no álbum são como espadas perfeitamente afiadas: precisas e mortais. Beyoncé vai direto no jugular ao mostrar com todas as cores os seus problemas conjugais da maneira mais crua e sem cerimônia possível. Com essa postura tão assertiva, a cantora não apenas se deixar mostra como um ser humano de carne e osso que vai de contramão do seu endeusamento por parte do público, mas, principalmente, mostra o poder que emana da pessoa Beyoncé e não apenas da artista. Desse resultado é que vemos de onde saiu a explicação do álbum no Tidal: "Lemonade é baseado na jornada de toda mulher em descobrimento pessoal e cura".

"A minha vida é perfeita dentro das suas imperfeições" parece ser o mantra em Lemonade. Apesar dos erros do seu marido e dos problemas enfrentados nos últimos anos, Beyoncé não parece querer ferir ninguém, mas apenas relatar o que passou e como superou a crise ao redescobrir quem é e qual é o valor do casamento na sua vida. Claro, sem poupar palavras, Bey também mostra que não tem nenhum problema em encarar os seus problemas de frente, jogando umas verdades na cara de quem precisar. Feroz em vários momentos e contemplativa em outros, a cantora transita ente o grito de raiva, a doce ironia da critica, a melancolia de um coração quebrado e a esperança de amar nessa sua jornada pessoal, mas tão semelhante a qualquer melhor que viveu/vive/viverá as mesmas situações. É aqui que reside a grandiosidade de Lemonade. Um trunfo para uma artista em seu auge.

A Estética da Limonada

Lemonade é mais conteúdo do que exterior, mas não acredite que a cantora não está disposta a quebrar qualquer amarra que a prenda as tradicionais concepções da sua sonoridade. Eu realmente fico perplexo com uma quantidade de pessoas que reclamam da nova direção musical da Beyoncé. Claro, existem gostos de todos os tipos, mas acreditar que a cantora, ou qualquer outro artista, deve permanecer no mesmo estilo em todos os álbuns é frustrante, entristecedor e. de certa maneira, revoltante. Quem quer ouvir farofa pop pode ir escutar uma infinidade de outros artistas espalhados por aí, mas tentem entender que Bey, assim como a Rihanna e outros que devem aparecer nos próximos messes, está na busca pela elevação da sua arte. E, acreditem em mim, essa elevação não passa nem de perto pelo pop farofa e, muito menos, o comercial, mesmo com os possíveis sucessos de vendas. Beyoncé sabe disso e faz de Lemonade a sua verdadeira libertação artística.

O álbum anterior, o homônimo Beyoncé, agora soa com um ensaio para o novo trabalho. Um ensaio genial, diga-se de passagem, mas em que a cantora ainda "brincava" dentro do escopo de alcance da sua sonoridade. O novo álbum deixa para trás a maioria dos vestígios da cantora de Crazy In Love e Single Ladies (Put a Ring On It) para abraçar uma nova artista disposta a mostrar uma figura tão plural como as grandes lendas da música. Por isso, Lemonade é uma fusão de música alternativa com R&B moderno, blues, gospel, funk, reggae, hip hop com a pesada e significativa adição de rock alternativo e, até mesmo, country. Todos esses ingredientes misturados criam a sonoridade desconcertante, arrebatadora e ousadíssima ouvida em Lemonade. 

Na jornada criada para o álbum nada é um passeio no parque. Nada é de fácil assimilação. Nada é dispensável. Nada é exatamente simples, apesar da escolha por uma batida mais contida em várias faixas. Nada é como foi um dia. Lemonade é uma viagem musical na velocidade do som em uma enxurrada de referências, influências, nuances e ideias feitas para reconstruir Beyoncé com a diva dona da melhor sonoridade da atualidade. Ninguém que está presente no mainstream mundial atual tem um décimo da sonoridade apresentada no álbum. Um trabalho marcado pelas parcerias inusitadas e geniais que conta como nomes importante da música e completamente diferentes entre si. O estilo marcante e a guitarra avassaladora do rock alternativo do Jack White, o novo R&B e o design refinado do The Weeknd, James Blake e a sua atmosfera transcendental e, por fim, o rap destruidor e urgente do Kendrick Lamar. Esses nomes são apenas os mais aparentes em Lemonade, pois o melhor está no recheio: seja a lista de nomes na co-autoria das canções ou na produção ou a genial escolha dos samples que vão de Led Zeppelin até Burt Bacharach, Hal David e Isaac Hayes e, finalmente, chegando a Animal Collective. Além das ligações com o Vampire Weekend e o Yeah Yeah Yeahs, entre outros. Um caldeirão em plena ebulição que resulta em um produto inesquecível e, da sua maneira, revolucionário.

As Imagens do Som

Não é preciso falar sobre como a cantora quebrou, novamente, as expectativas em relação a divulgação e lançamento do álbum. Dessa vez, entretanto, a forma foi um pouco diferente, pois, ao contrário do lançamento de 2013, foram dados indícios do que estava por vim, principalmente com o lançamento de Formation. O que podemos tirar disso é o fato do total controle da cantora em relação a sua carreira, mesmo que sendo orientado por outros. Essa liberdade é a responsável pela evolução artística da cantora. Todavia, isso também mostra a responsabilidade da cantora e a sua equipe em criar também um corpo que sustente poder criativo que fundamenta o álbum. Aqui é que podemos ver o único defeito do Lemonade.

O álbum é descrito como o segundo álbum visual da cantora. Esse fato é de estrema importância para a qualidade final, pois a união de imagem e o som é uma das forças motrizes da recente indústria fonográfica, inaugurada com a criação da MTV nos anos oitenta. O curta metragem, lançado como especial na HBO, é uma joia cinematografia, unindo perfeitamente imagens poderosas e cheias de significados com as mensagens das letras das canções. A direção do curta mesclas paisagens da região sul dos Estados Unidos, aonde a Beyoncé nasceu e foi criada, com encenações artísticas protagonizadas pela cantora e vários convidados, ou melhor, convidadas já que a maioria são mulheres negras. O redemoinhinhos de imagens ajuda a dar a base perfeita para os ecos das músicas apresentadas no álbum. Um dos momentos que mostram o quão importante é o curta para o resultado final de Lemonade é quando aparece, rapidamente, a foto da lenda Nina Simone em uma capa de um dos seus discos. Nesse momento, Beyoncé revela com todas as letras a sua vontade de ser uma força da natura com a sua música e que possa ser ouvida como uma porta voz dos seus ideais, assim como foi e ainda é Nina Simone. Apesar de toda essa genialidade, Lemonade só funciona plenamente depois que o curta é visto, pois sem a sua apreciação algumas das intenções pretendidas podem ser perdidas. Esse fato não compromete de fato a grandiosidade e a genialidade do trabalho, pois Beyoncé não deixa a "bola" cair com a sua presença inesquecível.

Lemonade's Anatomy

Novamente, Beyoncé se coloca no topo da industria fonográfica ao representar toda a sua força emocional em performances irrepreensíveis. Não é sobre poder vocal, mas sobre a capacidade de transmutação que a cantora realiza em cada faixa, indo do mais contido e estilizado, passando pelas mudanças estéticas de vários gêneros que demando posturas vocais distintas e chegando, finalmente, a explosão vocal. Tudo isso, queridos amigos, em apenas doze faixas.

Lemonade começa com a delicada e melancólica Pray You Catch Me, mas que com apenas dois versos já demostra como será o álbum inteiro: You can taste the dishonesty/ It's all over your breath as you pass it off so cavalier. Em seguida aparece a reggae/eletrônica Hold Up em que a cantora quebra qualquer expectativa com a cadencia lenta e a instrumentalização minimalista. Don't Hurt Yourself é o primeiro grande tapa na cara do álbum: rock alternativo mistura com blues guiado pela guitarra de Jack White. Sorry com a sua batida trip hop e o R&B eletrônico de Love Drought são as únicas faixas que lembram vagamente alguma coisa já feita pela cantora, mas mesmo assim as suas construções únicas as fazem canções tão distintas e singulares como o resto do álbum.

Ao lado do The Weeknd, Beyoncé entrega a genial 6 Inch, um mergulho nas profundezas do R&B contemporâneo que deve resultar em apresentações ao vivo inesquecíveis. Mergulhando nas suas raízes sulistas, a cantora surpreende com a deliciosa country soul Daddy Lessons sobre a sua relação com seu pai. Logo em seguida somos contemplados com a doçura e delicadeza da balada Sandcastles para depois sermos arrebatados por duas faixas: a parceria com James Blake na etérea Forward, uma "intro" que poderia ter sido a canção do álbum caso fosse uma faixa "inteira", e a gospel/hip hop Freedom com a participação do Kendrick Lamar em que a cantora dá o seu mais contundente e arrepiante declaração sobre a sociedade americana. O álbum termina com a esperança renovada de All Night e a contundente Formation. 

Após terminar de ouvir e/ou ver Lemonade existe apenas uma certeza: Beyoncé é a maior artista dessa geração. Uma força da natureza capaz de arrastar tudo o que está na sua frente com o poder de uma onda gigantesca. E, imponentes seres mortais, estamos subjugados aos seus desmandes. Goste ou não, Beyoncé já marcou o seu nome na história da música de maneira irrevogável. E Lemonade é mais um capitulo."

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