11 de janeiro de 2017

Os 25 Melhores Álbuns de 2016 - Parte IV







10. HERE
Alicia Keys


"Longe de um trabalho que possa ser considerado conceitual de verdade, Here parte de uma sonoridade bem tradicional para, depois, refinar todas as influências de R&B, neo soul e hip hop que a cantora já apresentou em todos os seus trabalhos. O novo trabalho, porém, apresenta um clima de uma força emocional que vem do mesmo lugar das vozes daqueles que protestam contra a violência policial contra negros ou a eleição de Donald Trump. Um lugar aonde vive sentimentos como indignação e revolta, mas que também habita sentimentos mais positivos como esperança e tolerância. Desde o primeiro segundo de Here é possível identificar essa vontade de Alicia de fazer o mundo ouvir tudo o que pensa sobre o mundo ao seu redor. Mais que isso: a cantora quer deixar a sua marca na ideologia das pessoas ao expor toda a sua raiva no que está acontecendo e, também, a sua fé em futuro melhor. Assim como fizeram Beyoncé e Solange, a principal personagem aqui é a mulher negra, mas não nuca se limitando já que o clamor aqui tem a capacidade de ir além das barreiras étnicas, culturais e sociais ao influenciar qualquer pessoa que tenha a capacidade de abrir a sua mente e coração para as mensagens contidas em cada uma das canções. Ainda que o álbum tenha essa capacidade existe um problema exatamente no quesito que deveria estar acima de todos os outros: as suas letras.

Não há como não elogiar todo o processo criativo por trás da construção lírica de Here, pois Alicia e todos os seus parceiros/colaboradores (incluindo os nomes de Emeli Sandé e Pharrell Williams) realizam um trabalho extraordinário, expressando perfeitamente todo o sentimento criado pela atmosfera sonora do álbum. É fácil identificar em cada verso a mesma área que veio toda a sensação de urgência das batidas no álbum, mas elas não tem exatamente a mesma pungência desconcertante que a sonoridade em si. Provavelmente o problema é que Alicia é muito educada para realmente meter pé na porta com toda a força possível sem pedir licença, quebrando qualquer impedimento que possa existir. Claro, essa polidez é uma qualidade intrínseca da natureza artística de Alicia, porém, no seu novo momento, as coisas não batem como deveriam e parece que sobra algumas arestas para serem cuidadas. Felizmente, nada disso retira o brilho da mensagem de Here, pois em qualquer momento que falte alguma coisa na produção sempre existirá a presença magnífica de Alicia e a sua voz que dispensa apresentações. Dessa vez, porém, é necessário abrir um parêntese: Alicia apresenta performances com uma pegada mais crua e orgânica, mostrando uma aspereza de interpretação muito bem vinda e ideal para as mensagens que precisar traduzir. Assim como a sua decisão de não usar mais maquiagem, Alicia parece querer dizer "aqui estou em meu estado mais natural e bruto! E não tenho medo de ser quem eu sou ou de ser criticada". Incrivelmente bem coeso, Here é uma obra que precisa ser ouvida por inteiro, mas alguns momentos precisam ser ressaltados: a dupla que dá inicio ao álbum The Beginning (Interlude) e The Gospel são faixas que impressionam pela força da interpretação de Alicia e as suas mensagens e a que finaliza o trabalho Holy War, a melhor do álbum, tem o potencial de se tornar um pequeno clássico na carreira da Alicia. E assim deve ser o histórico de Here na carreira de Alicia: não o melhor trabalho, mas aquele que irá ser um marco definitivo para a sua trajetória e, também, para aqueles que sentirem tocados por suas mensagens."


9. A Seat at the Table
Solange


"Apesar de não ser monotemática, as composições que fazer parte do álbum tem como principal eixo direcionador gritos de protestos que envolvem, principalmente, o discurso de empoderamento. Empoderamento da mulher. Empoderamento do negro. Empoderamento da mulher negra. Solange não está disposta a olhar para o lado ou amenizar com discursos apaziguadores. Solange surgi como uma voz cansada de não ser ouvida. Uma voz que cansada de ser calada por outros. Uma voz cansada de ser considera de segundo escalão na sociedade. Uma voz cansada de não lutar, pois sempre será deixada de lado. Uma fúria tão poderosa que é quase possível tocar os sentimentos expressos no álbum. Don't Touch My Hair consegue capturar boa parte dessa sensação: o cabelo aqui é a metáfora perfeita para demonstrar toda a indignação quando alguém feri o orgulho da comunidade negra, pois o cabelo é uma aspecto muito importante dentro dessa cultura. Um simbolo de poder e expressão do seu orgulho e, principalmente, da cultura do passado e presente. Entretanto, a maneira como tudo isso é colocado para fora ajuda a traçar a personalidade de A Seat at the Table e, também, a de Solange como artista.

Ao contrário do que fez a irmã no seu álbum, Solange tem uma maneira sutil de escrever as letras. Quem lê cada criação sem maior a maior contextualização ou um cuidado que se faz necessário pode até achar que Solange fala sobre trivialidades, relacionamentos e sentimentos "normais". Isso ocorre devido a forma como as composições são construídas como poesias delicadas, sensíveis, leves e, principalmente, com uma atmosfera etérea. A dualidade entre a mensagem e a estética construída para as letras poderia até causar estranheza, mas a forma como isso é desenhado no álbum funciona perfeitamente e com um impacto essencial para elevar as vozes representadas. Isso não seria possível, porém, sem uma sonoridade que correspondesse a altura."


8. Day Breaks
Norah Jones


"A sonoridade ouvida no álbum é incontestavelmente jazz, mas, ao contrário do que foi ouvido em Come Away With, a pegada aqui é muito mais tradicional, séria, condensada e de uma elegância madura, saindo qualquer toque pop para tornar o trabalho comercial. É como se Day Breaks fosse um álbum gravado na época de ouro do jazz e ganhou uma remasterização/releitura pelas mãos de Norah tamanha é a sua qualidade instrumental e criativa. E apesar disso, o álbum nunca soa como datado ou fora do seu tempo. Grande parte desse feito é o meticuloso e genial trabalho de instrumentalização comandado pela própria Norah como produtora e tocando vários instrumentos (quatro para ser mais exato). Com três regravações e as outras faixas originais, Norah tem a capacidade de agrupar uma coleção de canções com composições de emoções delicadamente contidas, mas com um poder de contar uma história com poucas palavras. E todas essas histórias são contada através de performances inspiradas e que se beneficiam do seu tom aveludado e melódico, mostrando sempre uma elegância tão natural como a luz do dia. Os grandes destaque no álbum ficam por conta das faixas Burn, Tragedy, It's a Wonderful Time for Love, And Then There Was You, Don't Be Denied e Peace. Não que tenha a necessidade de reafirmar o seu talento como uma artista completa que é de fato, mas o seu trabalho em Day Breaks é indiscutivelmente o mais coeso em toda a sua carreira."


7. Emily's D+Evolution
Esperanza Spalding


"Emily's D+Evolution, porém, não é exatamente o álbum tradicional de uma artista de jazz que se pode esperar. A primeira coisa que é necessária saber sobre o trabalho é que quem assina a sua co-produção é nada mais que o lendário produtor Tony Visconti, o homem que ajudou a construir quase toda a carreira de David Bowie. Então, imagine que o álbum irá ser qualquer coisa, menos tradicional. Além disso, Esperanza Spalding é uma artista singular: baixista e violoncelista que tem como grandes influências nomes como, por exemplo, Madonna, Joni Mitchell e Milton Nascimento, além de citar a música brasileira como fonte de inspiração. Essa mistura inusitada ajuda a transformar Emily's D+Evolution em uma obra inacreditavelmente moderna, ousada, poderosa e carismática. 

Ao lado de Tony, a artista construí uma viagem sinuosa em uma fusão de jazz, jazz contemporâneo, R&B contemporâneo, art rock e funk salpicados por toques de bossa nova, rock e jazz improvisation. Nas mãos de outros menos talentosos essa combinação de tantos elementos poderia acabar em uma colisão de sons de proporções épicas. Não em Emily's D+Evolution: toda a estranheza é refinada por uma delicadeza tocante, toda escolha sonora é feita de maneira graciosa e cada nuance é adicionada como se fosse mel para adoçar o mais amargo dos cafés. A jornada que a artista nos leva poderia ser acidentada e cheios de buracos, mas a sua destreza em navegar por tantos terrenos acidentados é o grande trunfo para a experiência magnifica que é ouvir as doze faixas do álbum. Outro grande trunfo é a qualidade técnica das instrumentalizações feitas para as músicas, não apenas devido ao talento da artista em tocar vários instrumentos para o álbum, mas, também, a excelente a banda que a cerca. Apesar disso, Emily's D+Evolution não é exatamente uma passeio no parque e não deve ser apreciado por muitos devido a sua ousada sonoridade e complicadas composições. Escrevendo quase sozinha quase todas as letras do álbum, Esperanza é uma compositora virtuosa que parece primar pela inteligência e construção poética dos seus trabalhos. Mesmo com uma qualidade indiscutível, mas que tem um nível de dificuldade de compreensão bastante alto. Isso dificulta uma maior empatia pelas canções de primeira vez, levando algum tempo para isso acontecer. Entretanto, não há como não se apaixonar pela doce voz de Esperanza e as suas inspiradas performances durante todo o álbum que mostram uma versatilidade gigantesca, mostrando influências de cantores de jazz, R&B, bossa nova e até mesmo de musicais da Broadway. Emily's D+Evolution é trabalho memorável por inteiro, mas que tem em algumas faixas momentos geniais: Unconditional Love, Judas, Earth to Heaven e Ebony and Ivy. Em um ano tão interessante como o de 2016 no mundo da música, "descobrir" Esperanza Spalding é um dos momentos mais surpreendentes e gratificantes até agora. O que esperar para o segundo semestre?"


6. I Like It When You Sleep, for You Are So Beautiful yet So Unaware of It
The 1975


"Tentar classificar o álbum em um ou dois gêneros seria um trabalho complicado, na verdade, quase impossível, pois a produção navega em tantas águas sem, em nenhum momento, lançar âncoras fixas em um determinado local. Existem tantas influências, tantas viagens sonoras por vários estilos e/ou épocas, tantas nuances ao longo das dezessete faixas que compõem o álbum que o resultado final é igual a uma colcha de retalhos pop. Entretanto, não acredite que essa colcha seja de má qualidade ou costurada de maneira a transformar o álbum em um produto sem personalidade. Ao contrário disso, I Like It When You Sleep, for You Are So Beautiful yet So Unaware of It é o álbum mais cheio de personalidade dos últimos tempos graças a competente e sofisticada produção encabeçada pelo vocalista Matty Healy e pelo baterista George Dani ao lado de Mike Crossey (Arctic Monkeys e Keane).  Para compreender melhor a estrutura do álbum é necessário dividi-lo em partes.

A primeira é composta das cinco primeiras faixas do álbum. Esse inicio é uma deliciosa e nostálgica volta ao synthpop/pop rock dos anos oitenta com a sua atmosfera clean, leve e descontraída. As canções nessa parte parecem terem sido feitas exatamente para fazer parte de gravações feitas através de fitas cassetes que depois serão usadas para tocar nas matinês de adolescentes seja para dançar livremente ou juntinho com a "paquera". Os rifes de guitarra e o uso da batida dos 808's são hipnóticos e eletrizantes, até mesmo nas baladas. Então, como em uma mudança de maré aparece a poderosa If I Believe You em que grupo questiona a existência de Deus. Lindamente escrita, pois parte das reflexões pessoais e, não, de preconceitos sobre a religião ou em quem acredita. Ao flertar com o gospel e o soul music, a produção adiciona ao pop do The 1975 uma profundidade que ajuda a criar a segunda parte do álbum. 

Abrindo com duas faixas apenas instrumentais, a segunda parte mostra a sonoridade do grupo em uma busca de experiências sonoras e de uma consolidação estética que eleve o grupo ao patamar de "adultos". A mistura de rock com pop/art pop gera um hibrido interessante e promissor, mesmo que não seja novidade. As experiências feitas pela produção ajudaram a entregam faixas longas, o que pode deixar a impressão que o trabalho se arraste no seu meio. Quem conseguir deixar essa impressão irá notar que essa parte consegue arrematar o inicio e o final de maneira perfeita, pois nunca se perde o fio da meada devido as escolhas de uma produção impecável. A parte final começa com a faixa The Sound em que o grupo retoma a batida mais animada, mas com uma atmosfera mais madura. Assim como músicas feitas para trilhas de filmes sobre amadurecimento daqueles adolescentes, os famosos filmes coming of age. É nesse momento que podemos ouvir os fantasmas do passado retornarem quando surge as canções Nana (sobre a perda da avó) e She Lays Down (sobre os problemas de relacionamento entre mãe e filho). Essa última foge da atmosfera do álbum devido ser acústica. Assim sendo, I Like It When You Sleep, for You Are So Beautiful yet So Unaware of It torna-se uma jornada incrível com todas as suas reviravoltas e surpresas, mas que não seria a mesma caso não tivesse um trabalho lirico tão competente como é apresentado."

Um comentário:

lucas lopes disse...

A Seat at The Table é o melhor álbum de 2016 pra mim. Perfeito.