7 de fevereiro de 2019

Primeira Impressão

Assume Form
James Blake


Assunto relativamente recente, o combate a chamada masculinidade tóxica ainda precisa ser melhor entendida e combatida por aqueles que querem fazer da nossa sociedade um lugar melhor. A definição do mesmo aponta que "masculinidade tóxica é um conjunto de mitos sociais sobre que é ser um "homem de verdade". Isso resulta em atitudes nocivas e restritivas". Acredito que essa definição e a sua importância esteja bem clara, mas ainda existe uma grande hostilidade sobre naqueles que querem desmitificar essa nociva prática. Um bom exemplo disso é quando alguém critica ou desqualifica um homem por expor seus sentimentos em púbico. Isso aconteceu com o cantor britânico James Blake.

Quando lançou em lá em 2018 o single Don't Miss It, James Blake precisou questionar uma critica feita pelo conceituado site Pitchfork não pelo fato da recepção morna, mas, sim, pelo fato das criticas serem voltadas ao fato do cantor soar como "música de garoto triste" (em tradução livre). O cantor refutou essa dominação ao associar negativamente o fato de um homem está mostrando os seus sentimentos, reduzindo aqueles que fazem isso a apenas pessoas depressivas. E a resposta do cantor não poderia estar mais certa. Vivemos em uma sociedade que ainda insiste em pressionar garotos a terem atitudes que sejam "masculinas" como, por exemplo, não demonstrar emoções já que isso é coisa de meninas ou "mariquinhas". Isso é extremamente tóxico e perigoso, pois continuar a formar homens afetivamente deficientes e completamente despidos de empatia e compreensão. E ainda colocam as mulheres como seres menores devido a suas emoções que deveria ser algo humano e, não, ligado ao um gênero ou condição sexual. Por causa disso é tão relvante ter a presença de artistas como James Blake no mercado fonográfico, pois abre ainda mais a discussão sobre a masculinidade masculina ao quebrar com essas barreiras. Melhor ainda é o fato de ele fazer isso de forma elogiável como mostra o interessante Assume Form, quarto álbum da sua carreira. 

Para quem conhece o trabalho de James sabe que o cantor é um dos principais nomes da atualidade da música indie pop/eletrônica dos últimos tempos devido ao lançamento de álbuns como The Colour in Anything de 2016 e o excepcional Overgrown de 2013. Além disso, o fato dele ter encontrado um nicho próprio dentro dessa sonoridade também algo fácil de perceber, pois os seus álbuns sempre caminharam entre a fina linha que divide a melancolia e o depressivo com batidas que acompanham essa atmosfera. Então, a surpresa em Assume Form é que o artista decidiu dar uma sacudida nessa formula ao mostrar um lado mais animado, romântico e, principalmente, bastante disposto em dar uma "massificada" na sua sonoridade com toques sonoros comerciais, flertando fortemente com trip hop, R&B, electropop e hip hop. Essa mistura de gêneros é algo que o James já tinha feito nos trabalhos anteriores, mas o novo álbum apresenta uma cadencia bem mais uptempo e bem menos sisuda e contemplativa. Essa mudança pode gerar alguma discórdia em parte dos fãs/críticos mais conservadores/chatos, mas James quebra facilmente argumentos negativos ao entregar um trabalho tecnicamente primoroso e artisticamente excitante,

Como principal nome por trás de todas as faixas, James Blake tem como principal mérito ter conseguido fazer a transição de sonoridade de maneira suave e fluida, mas sem perder a essência base da sua persona artística. Assume Form continua a caminhada do cantor na trilha de um sofisticado e profundo indie pop/eletrônico, tendo como base batidas contidas, delicadas nuances sonoras e texturas misturando aspereza e delicadeza na mesma medida. Entretanto, o álbum tem uma aura mais leve, descontraída e, principalmente, de uma contemplação mais esperançosa sobre a vida. Claro, boa parte dessa sensação vem do fato de James criar uma sonoridade que cortejar seriamente com o mainstream de gêneros como o pop e hip hop, deixando a sua sonoridade com uma melhor deglutição pelo público médio. E o que poderia ser um defeito acaba sendo um trunfo, pois dá novas possibilidades para o cantor se aventurar. Um dos melhores resultados desse mergulho em novos mares é a espetacular indie pop/latin pop Barefoot in the Park ao lado da sensação espanhola ROSALÍA. Canção mais comercial da carreira dele, a faixa não perde em nenhum momento a sua qualidade artística devida a sua produção espetacular e a sua impressionante sensibilidade rítmica. Outro momento que deixa claro a vontade de desbravar é a ótima Mile High com a presença de Metro Boomin e do rapper Travis Scott. Entregando uma mistura interessante de indie com hip hop, James Blake mostra que as suas parcerias com nomes de estilos diversos ao longo dos anos o ajudou a ter uma concepção ideal para trazer essas referências para a usa sonoridade. Se aqui é possível ouvir um James mais "alegrinho" sonoramente, o compositor vai em direção parecida.

Se o cantor sempre se mostrou disposto a revelar o seus sentimentos duros e difíceis nos trabalhos anteriores sem ter medo de questionarem a sua "masculinidade", Assume Form continua a mostrar os sentimentos de James, mas dessa vez com uma atmosfera assertiva, romântica, feliz e esperançosa. Se um homem precisa e tem o direito de repartir emoções ruins, o mesmo também pode falar e contar sobre as boas. E é isso que James faz no álbum. Utilizando a sua poética simples e com uma beleza estética madura, James é capaz de dar profundidade para a gratidão que sente pela sua amada por estar lá por ele (Into the Red), dar importância para aquele sentimento de estar confortável em estar simplesmente ao lado de quem se ama (Can't Believe the Way We Flow), dar a relevância necessária para que, antes de amor, exista respeito e carinho (Are You in Love?), dar ainda mais ênfase na simples vontade de estar perto de quem se ama (I'll Come Too) e mostrar que devemos assumir nossos erros em um relacionamento (Power On). Sinceras e com uma emoções certeiras longe de qualquer sentimentalismo barato, as canções em Assume Form mostram que qualquer ser humano deveria expressar seus sentimentos da maneira que melhor é capaz sem precisar prender a parâmetros e limitações que parte da sociedade impõe. Outro momento esplêndido é a primorosa parceria com o rapper André 3000 na sombria e dançante Where's the Catch?. O único problema do álbum é a sua duração um pouco estendida demais, deixando a sua parte final com uma leve sensação de estar arrastada. Isso não impede, porém, que Assume Form seja o primeiro grande álbum de 2019. E mais: James Blake entrega um uma pérola musical que deve ser vista como um protesto contra a masculinidade tóxica disfarçada de álbum.


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