8 de agosto de 2018

Primeira Impressão

Deus É Mulher
Elza Soares


Poucas coisas me alegram mais que ver a revitalização/reinvenção/renascimento da carreira  Elza Soares nos últimos anos. Uma das maiores artistas de todos os tempos no Brasil e, também, no mundo, Elza reencontrou um novo lugar de fala no atual cenário musical brasileiro ao ser recolocada no seu devido lugar como a força da natureza quem sempre foi desde o começo da carreira com o lançamento do já clássico A Mulher do Fim do Mundo de 2015. Continuando a sua carreira em plenos pulmões e força quase indestrutível, Elza volta a mostrar o seu poder acima do bem e do mal com o lançamento do avassalador Deus É Mulher, mesmo que o resultado final seja menos pungente.

A grande diferença entre o novo álbum e o seu antecessor é que o ponto de partida das composições em cada um. Em A Mulher do Fim do Mundo, Elza entoava cada canção como um verdadeiro desabafo de quem viveu ao longos dos anos toda aquela dor, revolta, amargura e sequidão da vida e transformou em algo muito maior e mais poderoso. Resumidamente: Elza cantou as suas dores e prazeres, partindo do seu lugar de fala, mesmo que a cantora não componha. Já em Deus É Mulher, porém, o escopo do lugar de onde Elza está falando é bem mais amplo e diversificado, abrangendo assuntos que não necessariamente estejam internamente ligado com a pessoa Elza. Resumidamente: Elza canta as dores e os prazeres que são de conhecimento mais coletivo. Essa mudança tira alguma força do soco no estomago que o álbum anterior deu na cara de quem ouvia. Todavia, continuando a ser o tapa na cara da sociedade sem levantar a mão, Elza Soares e os seus colaboradores continua a mostra o quanto importante é a presença de artistas como a cantora em nossa sociedade.

Deus É Mulher já começa a ser afrontoso logo no seu título ao dar a feminilidade ao ser mais importante da cultura cristã, mas o seu conteúdo é bem extensivo e diverso que os assuntos envolvendo o "mundo da mulher". Indo de temas como globalização e corrupção, passando pela sexualidade feminina e chegando até mesmo em temas como laicidade do estado, o álbum é uma inteligente, pontual, ácida e de desconcertante crônica/critica sobre a nossa atual sociedade brasileira. Contando com uma talentosa equipe de compositores, cada uma das canções em Deus É Mulher é um trabalho requintado e primoroso que mostra como é escrever letras que tenham substância verdadeira, saindo de qualquer lugar comum das letras que pipocam no atual mainstream da música brasileira. Um excepcional exemplo disso é a avassaladora Exú Nas Escolas que fala sobre a necessidade de cultivar a laicidade nas escolas brasileiras para ensinar a pluralidade religiosa sem demonstrar essa "tendencia" de doutrinar em apenas uma crença. Sonoramente, o álbum continua a mostrar a inspiração afrente do seu tempo que já tinha começado em A Mulher do Fim do Mundo.

Assim como o álbum anterior, Deus é Mulher foi produzido primordialmente por Guilherme Kastrup e continua a explorar a MPB de uma maneira que quebra qualquer expectativa ao injetar camadas e mais camadas de outras sonoridades, transformando a sonoridade final em algo quase mutável e inimitável. Diferente do álbum anterior que era melhor definido de punk-samba com toques de eletrônico, Deus é Mulher tem uma pegada menos poderosa ao suavizar as batidas ao incluir gêneros mais brasileiros como frevo, mangue beat, carimbó e até mesmo eletro brega. Essa mudança pode até ajudado a dar uma cara mais fácil para a sonoridade de Elza, mas isso não foi o suficiente para perder a riqueza instrumental, ritma e de atmosfera que cada música exala do começo ao fim. Exemplo disso é a ótima e sensual Eu Quero Comer Você, sendo um frevo pop/samba metalizado. Ou no excelente single Banho que conquista pela brilhante instrumentalização eletrônico/brega. Obviamente, nada disso teria o mesmo impacto sem a presença de uma mestra genial como Elza Soares. Dona da voz que é, provavelmente, a mais distinta, única e inesquecível da história da música mundial, Elza utiliza toda o seu talento e experiência para dar vida, alma e coração para cada faixa, conseguindo ir bem aquém da acunha de simples interprete. Cada palavra, cada verso, cada rima, cada estrofe e cada refrão soam como se estivem saídos da mente de Elza, pois a mesma transforma cada momento em reflexos verdadeiros da sua história. Ouvir a genia Dentro de Cada Um e não sentir um arrepio é coisa para pessoas sem nenhuma sensibilidade. Ouvir Credo é não gritar pela liberdade religiosa é apenas para aqueles preconceituosos asquerosos. Ouvir Hienas Na Tv e não sentir politicamente empoderado em querer mudar o país é apenas para aqueles fascistas disfarçados de "gente do bem". E tudo isso graças ao pode artístico de Elza Soares: a dona e proprietária de fato da música brasileira. E nada menos do que isso é verdade.



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