The Cure
Formada em 1976, a banda The Cure é considerada um dos pilares do rock moderno, sendo responsável por influenciar gerações até os dias de hoje com clássicos como Boys Don’t Cry e Lovesong. Então, não existe nada mais obvio que afirmar que a banda não precisa provar ou mostrar para comprovar o status de lenda. Todavia, a banda mostra uma força renovada ao lançar o décimo quarto álbum da carreira deles: o genial Songs of a Lost World.
Quando cito renovado não dá para qualificar exatamente o tamanho da impressão que dá ao ouvir o álbum, pois o trabalho resulta em uma experiencia que se não houve soubesse que fosse o artista por trás acreditaria perfeitamente que estava diante de um trabalho de uma bada novata no estilo de Maruja, Squid ou Black Country, New Road. Durante os quase cinquenta minutos de duração, Songs of a Lost World tem uma força impressionante que mostra uma vitalidade tão gigantesca que nem parece que os seus integrantes estão na casa ente os sessenta e cinco anos na média. E apesar de ter já escutado centenas de álbuns tenho que afirmar que poucas vezes fiquei tão impressionado devido a notar o quanto diferente é o resultado que esperava de um álbum, sendo aqui tinha a perspectiva que encontrar um álbum de rock maduro, conciso e competente, mas que não necessariamente pudesse ficar entre os melhores trabalhos de 2024 e, principalmente, entre os melhores da carreira de uma banda como o The Cure. Mesmo não tendo conhecimento mais a fundo da discografia da banda fica difícil não achar que esse triunfal comeback entre facilmente no top 5 da longeva carreia deles. O mais curioso, porém, é que apesar dessa impressão de vigor impregnada do começo ao fim, Songs of a Lost World é também um álbum que apenas uma banda com a experiencia do The Cure poderia entregar.
Primeiramente, o álbum apresenta uma construção instrumental simplesmente descomunal e é o reflexo do peso da experiencia da banda que injeta em cada momento uma maestria sonora misturada com uma identidade artística atemporal. É até possível a gente ver artistas seguindo o mesmo caminho, mas o The Cure mostra que é preciso muito mais para entregar tamanho poder técnico associado com um poder emocional, conseguindo equilibrar a imensa bagagem com esse frescor de uma banda que parece que se redescobriu depois de quase cinquenta anos na atividade. E tudo isso já começa com a gigantesca abertura em Alone. Com quase sete minutos de duração, a canção é uma epopeia sonora hipnotizante e de tirar o folego que nos agarra pela cintura e nos leva em uma jornada de sensações impressionantes. A canção também mostra uma característica das canções que poderiam facilmente se tornar um ponto negativo, mas que são transformadas em uma das coisas mais interessantes e geniais do álbum: toda faixa apresenta uma espécie de introdução apenas instrumental longa para depois começar a sua parte com composição. Por exemplo, Alone é apenas instrumental durante mais de três minutos e meio para só depois começar a sua letra. Essa estratégia é desenvolvida de uma forma tão impressionante e única que constrói toda uma atmosfera que adiciona uma profundida abissal para cada faixa, independentemente qual seja o clima da canção. Em questão de definição sonora, Songs of a Lost World segue a tradicional sonoridade da banda ao ser uma gothic rock/rock alternativo que não tem nada exatamente de novo, mas é entregue com perfeição absurda e atemporal pela produção comanda pelo vocalista lendário Robert Smith ao lado do produtor Paul Corkett. Todavia, o segundo motivo de fato que faz o álbum ser um álbum que apenas a banda poderia entregar é a presença de Smith nos vocais e, principalmente, como único compositor.
Apesar dessa impressão nítida de força renovada, o teor das composições aqui poderia ter sido entregue apenas por uma pessoa com a bagagem de vida e artística do icônico vocalista. Songs of a Lost World é sobre envelhecer, sobre os ciclos da vida, sobre inevitável fim, sobre o peso do passado e incerteza do futuro, sobre as terríveis e esclarecedoras descobertas que apenas o passar do tempo nos traz. E tocar nesses assuntos da maneira tão desconcertante honestas e visceralmente cruas só pode ser feito por alguém que realmente já viveu é capaz de fazer em toda o seu esplendor. Além disso, Smith tem uma lírica simples e bastante direta que encontra rápida assimilação com quem escuta, criando um laço verdadeiro e de uma emoção genuína. E tudo isso comuna em momentos de puro brilhantismo e emocionalmente acachapantes como é o caso da canção que fecha o trabalho em Endsong. A canção começo em verso relatando uma memoria da sua juventude em que assistiu ao lado do seu pai o pouso do homem na lua para logo depois “enfiar a faca emocional” no refrão que nos relembra sobre a mortalidade de quem a gente ama ao dizer “It's all gone, it's all gone/Nothing left of all I loved”. Longe de ser uma estratégia para fazer emocionar apenas por fazer, mas, sim, é um relato de quem conhece essa realidade tão natural e tão difícil para a gente aceitar e compreender. Não bastando entregar composições nesse nível, Smith também nos agracia com performances impressionantes para um homem aos seus sessenta e cinco anos que deixa qualquer “jovenzinho” comendo poeira, sendo um dos pontos altos a entrega visceral e devastadora na gigantesca Warsong. Outros grandíssimos momentos do álbum ficam por conta tocante balada sobre o fim do amor em A Fragile Thing, a eletrizante e visceral Drone:Nodrone e, por fim, a gloriosa All I Ever Am. Songs of a Lost World é sem nenhuma duvida um dos álbuns mais gratificantes de escutar e resenhar nos últimos tempos, pois The Cure entrega uma obra realmente genial e transcendente que apenas seria capaz de ser realizada por talentos tão lendários.
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