Doja Cat
Em Vie, Doja Cat entrega o melhor trabalho de sua carreira ao mergulhar sem medo na construção de uma estética influenciada por uma era bem específica, mas que, infelizmente, não tem recebido a mesma resposta do público em termos de números. Isso comprova uma regra antiga, que alguns fãs de certos artistas insistem em desacreditar: sucesso não é sinônimo de qualidade.
O “conceito” por trás do álbum pode até ser considerado batido, pois busca de forma direta e clara influências do pop dos anos oitenta. Entretanto, a produção — que tem em Jack Antonoff sua principal força criativa — consegue usar os clichês dessa escolha a seu favor, criando uma sonoridade sinceramente nostálgica, divertidamente vintage e calorosamente datada. E isso é realmente louvável, pois, mesmo não sendo original, Vie é o tipo de álbum que emite um calor afetuoso e mostra o quanto a produção está empenhada em criar algo que transmita a essência das influências misturada perfeitamente com a essência da rapper. Essa fusão é uma das bases para o excelente resultado final do álbum.
Em Vie, o público percebe com clareza que Doja Cat é, sim, uma artista pop, mesmo sendo uma rapper. Isso adiciona camadas à persona da artista, fazendo dela um dos verdadeiros “unicórnios” da música: alguém capaz de fundir estilos completamente diferentes em uma forma única, uniforme e equilibrada. Fico feliz que ela consiga expressar isso de maneira tão cativante, poderosa e assertiva em praticamente todo o álbum, transitando perfeitamente entre todos os estilos adotados pela produção. Em um de seus melhores momentos, Doja brilha no single Jealous Type, apresentando talvez sua melhor performance até o momento ao mostrar, com brilhantismo, sua versatilidade ao ir de cantora a rapper com a mesma força e impacto.
Vie é, como dito, uma emolduração de uma sonoridade predominante vinda dos anos oitenta, entregando uma reluzente fusão de influências de dance-pop, synth-funk, synth-pop, disco e R&B. Além da marcante presença de Doja, o álbum também ganha camadas importantes ao adicionar boas doses de rap e hip-hop, dando a personalidade necessária para que o trabalho siga no mesmo caminho artístico da cantora. Isso possibilita também uma sensação de nostalgia sincera, pois deixa claro que essa é uma visão e não uma cópia descarada.
O álbum, porém, não é perfeito: com suas quinze faixas, ele deixa espaço para alguns tropeços aqui e ali, e uma versão mais enxuta resultaria em um trabalho mais coeso e forte. Todavia, o álbum é um desfile de bons momentos, com seu ponto alto na irresistível post-disco/synth-funk Take Me Dancing, com a deliciosa participação de SZA. Outros destaques incluem a excitante faixa de abertura Cards, a estilosa Gorgeous e a romântica Stranger.
Mesmo sem alcançar o mesmo patamar de vendas e streaming dos trabalhos anteriores, Vie é uma joia na coroa da discografia de Doja Cat e tem tudo para se tornar um álbum “cult” nos próximos anos.


Nenhum comentário:
Postar um comentário