Maruja
Acompanhando os primórdios da carreira do Maruja sempre tive a certeza que a quando a banda finalmente lançasse seu álbum debut estaria a altura de todo o hype criado ao longo dos anos. E mesmo tendo essa ideia ainda não estava totalmente preparado para a grandiosidade esmagadora e sublime de Pain to Power.
Pain to Power é a culminação de tudo que a banda vinha mostrando nos lançamentos de singles e EPs, mas elevado a um novo patamar por finalmente apresentar a construção completa das ideias por trás do projeto e uma apuração estética, temática e sonora que apenas víamos em vislumbres ao longo do tempo. Quem nunca ouviu a sonoridade da banda e se aventurar pelos cinquenta minutos de duração do álbum, dividido em oito faixas, vai levar um soco no estômago devido à força que o trabalho emana desde o primeiro momento até o derradeiro final. E quem já conhece, como citei anteriormente, vai basicamente ter reações parecidas como se estivesse escutando pela primeira vez.
Produzido por Samuel W. Jones, o álbum dá continuidade à trajetória da banda ao entregar um trabalho colossal, fazendo o Maruja navegar por um extraordinário e inigualável oceano de vários gêneros, estilos e subgêneros que, já desbravados antes, ganham aqui uma nova e distinta vida. Não se trata dos caminhos que a banda segue, mas de como ela reconstrói esses caminhos de uma maneira que tudo se torna reluzentemente novo, de um brilhantismo magnético e desconcertante. Por conceituação, Pain to Power é um trabalho de post-rock impregnado de altas concentrações de jazz rock, post-punk, art rock, experimental, industrial rock, rock orquestral, rap rock, acid jazz, entre outros, criando um tecido sonoro denso, complexo, grandioso, estonteante, excêntrico e de uma carga criativa pulsante. É ambicioso ao extremo, mas sem nunca dar um passo maior que a perna — é fácil notar que a capacidade do Maruja acompanha perfeitamente suas pretensões sonoras. Também não é, de forma alguma, um trabalho pretensioso: tudo flui de maneira natural e orgânica ao longo das faixas, deixando clara a visão da banda. Eles não querem ser mais do que são, mas sim mostrar, de maneira cristalina, o que são. Isso é expresso com clareza em Pain to Power — algo que poderia ir por água abaixo caso a banda não sustentasse tecnicamente. E essa é outra das genialidades do grupo.
Basicamente, os quatro integrantes da banda são os responsáveis pela construção instrumental de todas as canções. Isso não apenas torna o álbum ainda mais sincero, como também deixa evidente que o que ouvimos é diretamente a concretização das ideias do próprio Maruja. E o trabalho instrumental feito aqui é realmente de cair o queixo: para atender toda a concepção sonora por trás, a banda entrega uma coleção de arranjos simplesmente geniais. É difícil explicar em palavras a complexidade construída ao longo das oito faixas, pois existe uma intricada rede interconectada e fluida de nuances, ápices, contemplações, explosões, reflexões, quebras de expectativas, mudanças rítmicas, experimentações e descobrimentos. A comparação com um tecido é mais do que válida: temos a sensação de ouvir algo cuja estrutura de fios vai sendo ornada por diferentes e maravilhosas estampas e incrustações que a transformam sem jamais fazer perder sua essência. Apesar de ser uma das coleções de faixas mais impressionantes dos últimos anos, o grande momento do álbum representa perfeitamente essa característica: Look Down on Us.
“Com quase dez minutos, a música não é épica apenas pela duração, mas pela maneira genial como a produção aglutina todas as principais qualidades da banda em uma única faixa, elevando-as a um novo patamar. Isso é algo impressionante, considerando que o nível das canções do Maruja já vinha sendo altíssimo desde o começo. O grande destaque de Look Down On Us é seu magnífico, genial, gigantesco, desconcertante, deslumbrante e magistral instrumental, que transforma a faixa em algo de complexidade ímpar. A canção cria um emaranhado de sons e texturas que vão sendo desenrolados, costurados e novamente entrelaçados, para finalmente serem reconstruídos de uma maneira completamente inesperada, sem perder o senso sonoro característico da banda.”
Apesar desse ser o “ápice” de Pain to Power, o álbum é composto apenas de grandes momentos que fazem dele uma joia rara, daquelas em que não é possível apontar apenas um ou outro destaque — trata-se de uma experiência que precisa ser apreciada como um todo. Ainda assim, é preciso ressaltar com veemência que esse resultado tão impressionante não seria o mesmo sem a presença magistral do vocalista Harry Wilkinson.
Dono de uma voz forte, marcante e poderosa, o vocalista é como um arauto dos deuses da música, moldando-se à necessidade de cada faixa. Sinceramente, é difícil encontrar tamanha versatilidade reunida em um único trabalho: Harry transita da ferocidade explosiva à contemplação emocional com a mesma capacidade e personalidade. Além disso, transforma sua maneira de entoar cada canção — capaz de cantar como um “anjo” abrindo as portas do céu, sustentar versos explosivos ou contemplativos como se estivesse declamando uma poesia clássica de séculos atrás ou um texto contemporâneo, invocar sua faceta roqueira pesada, ácida e desconcertante, ou até se fundir a outras vozes para proporcionar uma experiência imersiva.
Não importa o cenário: Harry entrega uma performance simplesmente brilhante. Em Born to Die, carrega o peso imenso da grandiosidade da canção como um verdadeiro Titã sustentando o mundo, contrastando com a interpretação densa e melancólica de Saoirse, que soa “como um clamor que reverbera dentro da gente”. Outros momentos igualmente impactantes incluem a ferocidade nauseante e desconcertante do abre-alas Bloodsport, o lado mais hip hop/hard rock da banda na impressionante Trenches, e, por fim, a contemplação tocante de Reconcile, que encerra o álbum com profundidade emocional.
Em Pain to Power, o Maruja entrega um dos melhores debuts dos últimos anos, oferecendo muito mais do que havia prometido. E assim começa uma trajetória que tem tudo para ser brilhante — e para ir ainda mais longe.


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