18 de agosto de 2017

Primeira Impressão

Rainbow
Kesha


Durante os nove anos que o blog está ativo aconteceram vários comebacks triunfais de artistas de todos os tipos. Se fossem para enumerar todos daria um post próprio só para relembrar cada um desses retornos triunfais e o contexto que os cercam. Todavia, esse texto irá falar sobre o mais arrebatador comeback que esse blog já presenciou, pois não é apenas um retorno ao sucesso ou as graças dos criticas. Com Rainbow, Kesha faz um retorno que, infelizmente, muitas mulheres não tiveram a chance de realizar depois de passar pelo mesmo inferno: voltar a viver.

Acredito que não seja necessário recapitular o motivo que Kesha está fazendo a sua triunfal volta aqui, mas é preciso salientar que Rainbow é a sua verdadeira expiação sobre tudo o que aconteceu. Finalmente, mesmo que ainda precisando "responder" de certa forma ao causador de toda a sua dor devido ao contrato ainda em vigor, Kesha finalmente parece está se libertando dessa teia que a envolveu nos últimos anos. Isso ocorre tanto na sua vida pessoal, quanto na sua vida artística e, também, no ponto em que essas duas se encontram. Entretanto, o resultado desse começo de liberdade não poderia ser mais surpreendente, pois é fácil perceber o quanto a cantora estava presa e silenciada todos esses anos. A cantora que começou com uma especie de contraponto ao sucesso da Lady GaGa ao transmitir uma imagem de diva pop desconstruída e com toques de punk pop arranca todo o verniz imposto para liberar a verdadeira artista que é, na verdade, uma cantora que trilha um caminho muito mais indie pop com uma boa dose de indie rock e country. Essa libertação não serve apenas para mostrar o estilo verdadeiro de Kesha, mas, principalmente, para liberar todo o imenso potencial dela que era escondido por uma montanha de auto-tune e um domínio nefasto. O resultado disso é, para a total surpresa de muitos, a entrega não do melhor trabalho da cantora, mas como um dos melhores álbuns de 2017.

Como disse anteriormente, esqueça a Kesha de TiK ToK ou Die Young assim como o cifrão que antes estava no seu nome. Rainbow é, basicamente, a reinvenção/renascimento de uma artista que destrói toda a sua estética sonora e ergue uma totalmente nova. Não é apenas uma mudança de caminho como muito já fizeram, mas que, de alguma forma, mantiveram intacta a essência. Kesha vai muito além, pois Rainbow pavimenta do zero toda uma nova estrada para si. Uma estrada que se baseia-se primordialmente nas influências verdadeiras de Kesha que vai de Iggy Pop até Dolly Parton. Então, o álbum torna-se uma mistura de indie pop com indie rock e country, transformando a cantora em uma diva pop indie que, adivinhem, é finalmente o contrário da Lady Gaga, mesmo essa segundo tenha, também, mudado um pouco ao longo dos anos. Só que essa mudança radical não seria o suficiente caso o resultado não tivesse a altura dessa transição. Entretanto, o resultado de ouvido em Rainbow é mais do que a altura, pois ultrapassa qualquer expectativa ao resultar em uma verdadeira pérola musical.

Tudo começa por descobrir que Kesha é, ao contrário do imaginava-se, uma cantora com um grande talento vocal que antigamente era encoberto pelo altíssimo uso de efeitos vocais. Longe do uso de maiores efeitos, a cantora é capaz de realmente brilhar ao mostrar potencial e versatilidade imensa ao transitar entre vários estilos com a mesma qualidade. O timbre pode ainda não ser o mais acolhedor para todo o público, mas é impossível negar que a cantora entrega tudo de si em performances acachapantes e de uma veracidade emocional tocante. Fácil de ver isso é no single Praying em que a cantora entrega uma poderosa interpretação aliado uma performance vocal impressionante que culmina no já famoso agudo mais ao final da canção. Só que a faixa é apenas uma peça desse quebra cabeça, pois Kesha nos leva em uma verdadeira viagem emocional ao longo de Rainbow.

Sendo a sua expiação, Kesha não tem medo de colocar a mão direta na ferida e colocar na mesa todos os sentimentos sombrios e dilacerantes que a cantora guardou nos últimos anos. Só que, felizmente, ao invés de simplesmente jogar sal na carne viva, a artista está mais interessada de expor o começo do processo dolorido e necessário de cura. Com uma bem vinda e interessante atmosfera otimista, Kesha vai trilhando um caminho cheio de pedras pontiagudas ao falar sobre perdão, empoderamento feminino, depressão e aceitação própria, mas sempre com uma mensagem realmente positiva no final das contas. É como se o álbum fosse uma grande mensagem para quem pode está passando por momentos ruins na vida de que haverá dor e sofrimento, mas no final do caminho sempre haverá uma luz que com o tempo será tudo isso que irá nos rodear. Aliando-se com uma qualidade lirica belíssima que nada tem haver com tudo que a cantora já fez, Rainbow é uma montanha-russa emocional da melhor qualidade e que ajuda elevar a carreira da cantora como poucas vezes feitas no atual cenário pop. A grande cereja em cima do bolo é a maneira como a produção elabora a poderosa e avassaladora sonoridade do álbum que, mesmo atirando para vários lados, possui uma coesão impressionante com cada uma das fixas conseguindo conversar uma com a outra. Para ter uma ideia de como a sonoridade em Rainbow é diversa irei citar alguns momentos do álbum: o começo com a tocante indie country Bastards, passa pela soul de WomanHymn e sua atmosfera indie pop, Learn to Let Go e a sua batida pop rock marcante, a balada pop/R&B emocionante em Rainbow, as country old school em Hunt You Down e a regravação de Old Flames (Can't Hold a Candle To You) com a lenda Dolly Parton e a fofíssima e engraçada indie Godzilla. Ficar feliz pelo retorno musical da Kesha, ainda mais com essa qualidade, é pouco em comparação ao meu extasiamento e emoção em poder ver um ser humano em dar a volta por cima depois de tudo que ela passou. Uma pena que nem todas as pessoas têm essa possibilidade.