6 de dezembro de 2018

Primeira Impressão

Bluesman
Baco Exu do Blues





Apesar dos tempos sombrios que estão na nossa frente, ainda acredito que a esperança é um farol que irá iluminar o caminho para aqueles que estarão presos no meio do furacão. Esse farol, porém, irá precisar ser defendido com muita luta e resistência para que possa continuar a ser a luz na escuridão. Apesar de vários exemplos negativos como, por exemplo, divas fazendo a egípcia ou cantores babacas falando muito m#rda, o cenário musical brasileiro tem outros vários ótimos exemplos de artistas que estão prontos para serem as vozes da resistência. Um exemplo que vem chamando atenção é o baiano Baco Exu do Blues que recentemente lançou o seu segundo álbum, o avassalador e inspirador Bluesman.

Quando quem ouve falar do artista teve pensar que o mesmo deve seguir um caminho já conhecido pelo grande público, pois pelo idiota e preconceituoso senso comum Baco Exu do Blues deve ser, provavelmente, uma mistura entre Olodum com Carlinhos Brown. Entretanto, caro leitor, abra a sua mente para o que é um dos principais novos nomes do rap nacional. Gênero esse que está passado por um novo renascimento, respeitando os percussores do gênero, refletindo as referências da música nacional e dialogando com os contemporâneos estrangeiros. Além disso, o atual cenário político e social do Brasil é o perfeito estofo de inspiração para as composições. E nesse contexto que está inserido Bluesman. Só que esse aviso ainda não te prepara exatamente para o tapa na cara de Baco Exu do Blues entrega.

Obviamente, o álbum é na teoria um trabalho de rap, mas Baco Exu do Blues é um artista que vai bem além do que é esperado. Para que vocês possam entender a grandiosidade da sonoridade de Baco é necessário fazia uma analogia bem explicita: Baco Exu do Blues está para o rap nacional assim como o Kendrick Lamar está para o rap estadunidense. Parece um pouco exagerado, mas é exatamente isso que passou pela minha mente durante todo o processo de ouvir o álbum. Assim como Lamar, Baco não está disposto a apenas fazer rap, mas, sim, a sua versão de rap. E da mesma maneira que o dono de obras de arte como good kid, m.A.A.d cityDAMN. e, principalmente, To Pimp a Butterfly, o brasileiro eleva o gênero ao inserir em cada canção uma incontável quantidade de nuances, texturas, batidas e influências para criar uma sonoridade complexa, rica e completamente única. O que diferencia a sonoridade de Baco de Lamar e outros rappers nacionais e estrangeiros é como o rapper une tudo isso em caldeirão multicultural efervescente.

Baco Exu do Blues une perfeitamente influências do rap nacional, da música popular brasileira como, por exemplo, samba e ritmos de origem africana e, também, gêneros americanos como é o caso do R&B, jazz e, principalmente, o blues que já é referenciado no primeiro verso quando Baco afirma que o  gênero é "o primeiro ritmo a formar pretos ricos". Esse caldeirão poderia resultar em algo disfuncional e sem nenhuma coerência, mas, felizmente, o resultado vai totalmente na contramão da expectativa ao ser uma explosiva, avassaladora e impressionante coleção de canções que são inundadas de camadas sonoras que apenas reforçam a riqueza artística da mente de Baco. Ousando em cada canção e refletindo pesadamente as influências de rappers americanos, o brasileiro consegue não renegar as raízes brasileiras em nenhum, conseguindo criar um trabalho que transcende qualquer expectativa e criar algo que parece ser completamente original e a frente do seu tempo. Veja o caso da espetacular Minotauro de Borges que mistura tambores africanos, samba e rap em um trabalho inesquecível e com uma mensagem desconcertante. E, senhoras e senhores, Baco está mais do que disposto a passar a sua mensagem ao socar a ferida sem dó e nem piedade.

Cpm apenas 22 anos de idade, Baco já apresenta uma visão bem definida e critica da realidade brasileira. Nascido em Salvador que é um dos lugares no Brasil com a maior concentração de afro-brasileiros, o rapper não te medo de enfiar o dedo da ferida exposta e ainda sagrando do racismo na país ao relatar/criticar/expor/denunciar várias das mazelas que passam os negros. Desde os racismo estrutural até a discriminação/perseguição feita por parte da policia estão presentes nas composições do álbum em que Baco entrega verdadeiras e impressionantes crônicas. Inteligentes, ousadas, poderosas, ácidas, desconcertantes e com uma realidade quase impossível de ouvir e não sentir um raiva nascendo na espinha, transbordando em um lamurio de indignação. Claro, quem senti isso são pessoas que não acreditam que exista, por exemplo, racismo reverso. Entretanto, o artista não aponta a sua metralhadora apenas para o lado ruim, mas, também, entrega um discurso de empoderamento e de exaltação da raça como é o caso da sensacional Kanye West da Bahia em que o rapper se compara com o rapper americano, mas acredito que a comparação é sobre a melhor parte. Além disso tudo, Baco ainda dialoga com outros assuntos como, por exemplo, depressão, amores complicados e sexo, dando ainda mais estofo para o álbum. E mais: dono de uma poética urbana  e de uma beleza ousada nas suas rimas e versos, o rapper ainda é capaz de adicionar referências inteligentíssimas que vão do colapso da Britney Spears, filósofos, pinturas clássica e até ao Jay Z e a Beyoncé (a ótima faixa Me Desculpa Jay Z em que o rapper "cobiça" a Queen Bey e chamou atenção da mesma, parecendo que pode rolar alguma colaboração).  Dono de um flow cru, direto, carismático e que consegue se moldar para alcançar as nuances de cada canção, Baco entrega performances impressionantes e com uma força descomunal que só tem comparação com o Kendrick Lamar como mostra a já logo de cara na faixa que abre o álbum: dando nome ao álbum, Bluesman é porrada na cara sem dó, nem piedade. Outros momentos de destaque do álbum ficam para Flamingos e a sua sensual batida soul/R&B e linda e tocante Girassóis de Van Gogh. O ano termina com a esperança em alta, pois estamos presenciando uma nova geração em que Baco Exu do Blues terá ainda mais espaço para mostrar a sua arte e, principalmente, abrir ainda mais espaço para novos artistas do mesmo calibre.

3 comentários:

Anônimo disse...

Álbum nacional do ano,sem dúvidas.

G. RLS disse...

J. Vai rolar resenha de "Não Para Não" e "Ambulante"? E o ep do David Sabbag ... " Tenho Você é tão linda!!

lucas lopes disse...

Álbum maravilhoso. Aliás, os dois dele são incríveis. Grata surpresa. Vida longa ao Baco.

Ps: revista suas resenhas antes, estão vindo com muitos erros e erros de concordância.