6 de janeiro de 2023

Os Melhores Álbuns de 2022 - Parte III

 




Parte I
Parte II


15. Ants From Up There
Black Country, New Road


"Segundo álbum da banda britânica, sendo que o debut foi lançado no ano passado intitulado For the First Time, Ants From Up There é trabalho de art rock, chamber pop e post-rock que encanta e assusta pela sua grandiosidade deslumbrante em todos os momentos. E isso se dá devido a impressionante instrumentalização que acompanha cada uma das faixas. E, querido leitores, não estou falando de qualquer trabalho instrumental, mas, sim, de uma coleção de obras primas sonoras em que cada momento é de uma magnitude de condução, produção e finalização. Com uma profusão de instrumentos usados, o Black Country, New Road evidencia cada um dos instrumentos usados de maneira irretocável, pois cada um tem a sua importância nítida na construção das canções sem que nenhum se sobressai mais que o outro. Ao ouvir com cuidado cada instrumental de Ants From Up There é como ouvir uma orquestra completa em estado de graça tocando devido a qualidade que cada momento com um resultado brilhante, robusto, edificante e deslumbrante. Devo admitir que o resultado geral do álbum apresenta alguns problemas no quesito de direcionamento do álbum, mas nenhum deles é relacionado ao trabalho instrumental, especialmente quando todo está no seu devido lugar."

14. And in the Darkness, Hearts Aglow
Weyes Blood


"Resumidamente, o quinto álbum da cantora e o segundo da sua trilogia que começou com o lançamento Titanic Rising de 2019 é um direto álbum de baroque pop com toques pesados de singer-songwriter, indie rock e art pop. Entretanto, a produção é responsável por adicionar uma complexa, impressionante, rica e grandiosa rede de texturas que deixam o resultado final em um nível elevadíssimo ao dar uma imensa profundidade sonora para essa base. Tente imaginar uma tapeçaria em que no mesmo fundo é feito uma coleção imensa, diversa e impressionante de imagens que vão se desdobrando em imagens ainda mais complexas uma após as outras, sendo todos unidas pelo memos fio condutor desde o primeiro ponto do tear até o último centímetro. Cada relevo, bordado, desenho, textura, nuance e cor é pensado de maneira a ser parte única desse trajeto sonoro proposto em And in the Darkness, Hearts Aglow, funcionando de forma a criar uma única e coesa a atmosfera do álbum que transita entre o épico, melancólico e, por vários momentos, transcendental."

13. Dirt Femme
Tove Lo




"É fácil notar que um dos responsáveis para esse feito é o fato que Tove Lo lança o seu quinto álbum de forma independente. Livre de amarras mais profundas com alguma gravadora e completamente dona do seu nariz, a cantora é capaz de entregar de maneira plena a sua visão sobre o pop. E o resultado é o suco mais puro da sonoridade da Tove Lo ao ser uma vibrante, excêntrica, excitante, divertida, elegante, emocional, criativa e elegante de dance-pop, electropop, R&B e eletrônico. Tenho uma visão que o álbum parece estar dentro do mesmo panteão pop do Future Nostalgia. Enquanto, o álbum da Dua Lipa está na seção colorida, mainstream e cheia de glitter, Tove Lo está do lado do metálico, sombrio e com confeites translúcidos. A pegada aqui parece ser menos “querer simplesmente entreter pelo simples fato de entreter”, mas, sim, criar uma envolvente atmosfera que na verdade se revela uma densa teia de emoções reais que transitam entre o melancólico e o sensual, partindo de uma visão mais contida sonoramente. É claro que isso coloca Dirt Femme mais perto do experimental, mas a produção consegue dar o verniz que as elevam para verdadeiras bagers devido aos revestimentos adicionados como, por exemplo, toques que transitam do eurodance, EDM e synthpop que se misturam com toques de folk, indie e new wave. E principalmente é nas atmosferas construídas para cada canção que consegue transmitir de maneira exata de qual é exatamente a visão do pop da Tove Lo."

12. We’ve Been Going About This All Wrong
Sharon Van Etten


"Sexto álbum da carreira da cantora, o álbum é essencialmente um belíssimo trabalho de indie rock que é incrementado por toques de folk, americana e indie pop que se baseia na atmosfera construída para criar toda a sua força artística e emocional. Sem ser arrastado, We’ve Been Going About This All Wrong leva o seu tempo para ir moldando a ferro toda a sua espetacular teia de sons desde o primeiro acorde até a última nota. Apesar de ter apenas dez faixas (versão standart) e menos de quarenta minutos, Sharon ao lado do produtor Daniel Knowles entrega uma complexa, densa e grandiosa sonoridade para dar conta de toda a completude necessária para cada canção.

Nunca procurando saídas fáceis e, sim, saídas que ocupam o seu lugar dentro do contexto de toda o corpulento trabalho instrumental, a produção vai aos poucos estendendo seus braços para várias direções, mas sempre com uma firme mão estética para poder entender qual é o caminho exato. E tudo isso começa de forma genial com a soturna e épica Darkness Fades que não apenas dá o tom para o resto do álbum como também se torna o seu momento mais brilhante em meio a uma coleção sensacional de grandes músicas. Todavia, o que realmente sustenta tudo é a presença devastadora de Sharon Van Etten."

11. Big Time
Angel Olsen


"Durante o processo de gravação de Big Time, Angel Olsen revelou ser gay e perdeu seus pais em um curto período de tempo. Esse gigantesco peso emocional e turbilhão de emoções foram focados para a construção do álbum, criando uma atmosfera contemplativa, melancólica e, por vezes, de expiação. E mesmo sem saber os bastidores da gravação é possível perceber toda a carga emocional em cada uma das canções e realizar que foi preciso uma artista com capacidade imensa de exprimir de forma verdadeira tudo isso em um álbum de cerca de quarenta e cinco minutos. O mais incrível é notar que Angel não pesa a mão para gerar algo excessivamente dramático, mas, sim, tocante, sincero, e de uma delicadeza sublime. Em Dream Thing, a cantora relata de maneira simples e poética as conversas que não conseguimos ter com quem amamos quando percebemos o tempo se acaba e percebemos que nunca mais vamos ter a mesma chance. Sem saber do que pode se tratar, a faixa já é poderosa, mas ao encaixarmos com a história de Angel o resultado toma uma proporção ainda mais emocional e devastadora. De forma sutil, a cantora fala sobre finalmente poder mostra a sua forma de amar e ser amada na linda e sensível All the Flowers. Toda essa carga emocional parece ter guiado a cantora e o coprodutor Jonathan Wilson em direção ao country/americano/folk, mesmo que a parte final penda mais para o indie."

10. Chloë and the Next 20th Century
Father John Misty



"Chloë and the Next 20th Century é como se fosse uma jukebox que tem a função de explicar sobre as principais eras da música, começando dos anos vinte/trinta até o anos oitenta/noventa. Não necessariamente em ordem cronológica, mas com uma fluidez impecável que as mudanças drásticas de estilos não interferem no andar no álbum. E apesar de querer simular vários nomes que se destacaram nos gêneros escolhidos para cada canção, a produção do próprio Father ao lado de Jonathan Wilson não parece querer apenas imitar as referências. Na verdade, Chloë and the Next 20th Century é uma carta de amor a música do começo ao fim, adicionando uma dose cavalar da sua personalidade. Esse toque de originalidade vem de uma mistura inusitada de uma certa aspereza adicionada na finalização do álbum que contrasta com a sua atmosfera cinematográfica e orquestrada.

Instrumentalmente, Chloë and the Next 20th Century é um trabalho simplesmente soberbo e de uma beleza encantadora. Trabalhar com uma orquestra de base clássica dá para o álbum uma completude sonora impecável que dialoga perfeitamente com a intenção do álbum. E é devido a esse alcance que uma orquestra dá se mostra possível a produção mudar de maneira tão fluida de gêneros de uma faixa para outra. Tudo começa na delicada Chloë, A faixa que é abre o álbum é uma humorosa, leve e elegante Jazz standard que procura emolduras as canções dos anos vinte/trinta/quarenta, especialmente de nomes como Oscar Hammerstein II, Cole Poter e Ira Gershwin. Acredito que a canção é a suma perfeita da capacidade de Father John Misty por todo o álbum: a capacidade de recriar todo um gênero sem nunca soar como algo datado, uma pastiche ou uma versão de baixo orçamento. A primeira grande razão para isso é o fato do artista vim de um lugar de respeito verdadeiro pelo material que se propõem a reconstruir."
Resenha

9. Fossora
Björk




"Apesar de ter sempre ter produzido seus álbuns, a artista produz sozinha um álbum inteiro pela primeira vez. E, querido leitores, isso até poderia ser um problema se a Björk não tivesse esse senso sobre a sua própria sonoridade tão apurado e, claro, amadurecido, sabendo exatamente os ondes, os porquês, os meios, os começos, os fins, os atalhos e os esconderijos de o que a faz ser quem é. Provavelmente, esse é o motivo de ouvirmos em Fossora termos uma sonoridade da artista que, apesar de não alterar significativa, tem perceptíveis mudanças em relação aos trabalhos anteriores. Acredito que a principal delas seja o fato de termos menos contemplação para dar espaço para batidas mais ruidosas e diretas, especialmente devido a nítida influência de tecnho e industrial. E isso logo é percebido na faixa de abertura com a esplendida Atopos ao ser “uma volta para o começo da carreira da artista ao explorar batidas pesadas com base de percussão e instrumentos de sopro. O resultado é uma explosão seca, ruidosa, quase minimalista e completamente inebriante e soberba. Sonoramente, a canção é uma colisão de art pop, eletrônico, experimental, industrial e techo que apenas a distinta produção e visão da Björk consegue fazer sentido claro e pleno”. E mesmo quando o álbum aponta para uma direção reflexiva como na deslumbrante Freefall, a mãos firmes de Björk conseguem costurar uma finalização melódica que deixa a faixa bem digestível devido ao deslumbrante genuinamente emocionante instrumental. Obviamente, Fossora apresenta uma coleção de experimentos sonoros espalhados pelas suas faixas, o grande destaque aqui é algo que até o momento a Björk não tinha exatamente feito na sua carreira: participações vocais."

8. Dance Fever
Florence + The Machine



"O quinto álbum da banda é o seu mais coeso até o momento. Não exatamente o melhor, mas o trabalho que consegue melhor mantem o mesmo nível do começo ao fim. Dance Fever não apresenta pontas soltas devido a sua brilhante condução pela produção, capitaneada primordialmente pela Welch ao lado de Jack Antonoff, Kid Harpoon e Dave Bayley. Cada momento tem a sua importância para o grande resultado final. Cada passagem fluida e interligada de faixas produz essa sensação ainda maior de completude. Cada mudança nítida ou sutil de gêneros ou/estilos se faz necessária para a história que a banda quer narrar. E até mesmo faixas intros possuem função muito bem definida ao se mostrarem apêndices intocáveis de uma visão maior e mais profunda. Por isso, Heaven Is Here faz sentido pleno ao ouvir as canções que fazem parte da sua trindade. Começa pela rápida e sombria intro Prayer Factory que abre alas para a genial Cassandra em toda a sua glória e suntuosidade ao tomar o posto de melhor entre as melhores faixas do Dance Fever. O final é com Heaven Is Here e a sua “atmosfera sombria, cortante e sufocante que consegue impressionar desde a primeira nota até o último segundo”. Quando escutadas separadas de seu corpo que é Cassandra, as duas canções soam como trabalhos sensacionais, mas que carecem de um fio condutor. E isso, sinceramente, não termina sendo um erro para o álbum, pois o trabalho é o tipo de que demanda a gente escutar do começo ao fim várias vezes sem saltar uma faixa apenas.

Com uma espetacular, meticulosa e madura conduz instrumental que coloca Dance Fever em outro nível, a sonoridade do álbum é, ao mesmo tempo, familiar e com toques de experimentos em que a banda volta novamente a fazer esse indie/art/baroque pop suntuoso, denso, sombrio e celestial com pinceladas de gêneros como art rock, dance, disco, indie rock/folk e eletropop retirados de influencias diversas como, por exemplo, Iggy Pop, Emmylou Harris e Lucinda Williams. E isso fica ainda evidente em Free ao ser “uma incrível mistura de indie pop, indie rock e toques de electropop embalados em uma camada experimental que consegue soar como um trabalho da banda e, ao mesmo tempo, se diferenciar com os toques de sonoridade de artistas como Bruce Springsteen e The Killers. E é nesse momento que a canção se torna o trabalho mais indie dos últimos tempos da banda”. Todavia, isso é salpicado por todo o Dance Fever em momentos de uma inspiração invejável. “King apresenta os traços marcantes da banda como, por exemplo, o complexo instrumental, a atmosfera grandiosa e força emocional impressionante, mas aqui tudo é envolvido em uma nevoa contida que transforma a canção em uma slow burn impactante que vai entrando cada vez mais fundo na nossa pele a cada nova audição. O estilo de Antonoff é percebido ao notar que King é uma indie rock com inspiração dos anos setenta e, felizmente, essa decisão parece fundir com perfeição com o estilo da banda de maneira a criar uma canção que tem a personalidade única deles do começo ao fim”. Em Dream Girl Evil, a banda pega um atalho pelo indie rock em trabalho áspero, sombrio e brilhantemente finalizado. E tudo isso é sustentado pelos vocais sobre-humanos de Florence Welch."
Resenha

7. MOTOMAMI
ROSALÍA




"Mesmo contado com uma profundida grande de compositores e produtores que vão desde o The Weeknd, James Blake e Pharrell Williams até nomes conhecidos da música latina como El Guincho, Tainy e Rauw Alejandro, MOTOMAMI tem a Rosalía como principal nomes em todos as frentes, dando realmente a sensação que o estamos ouvido é realmente saído da mente da cantora. Por isso, perceber que o álbum tem essa qualidade artística de reconstrução de gênero é algo que fica ainda mais impressionante. Tecnicamente, o álbum é um trabalho de pop alternativo/reggaeton que vai adicionando camadas extremamente ricas de jazz, indie, art pop, samba, eletrônico, flamenco, hip hop, bachata, rumba, synth-pop, entre outros. Todavia, definir o que é apresentado aqui é um trabalho realmente complicado, pois a cada mudança de canção é apresentado uma nova faceta de Rosalía diferente da anterior e que não dá nenhuma pista do que ainda está por vim. E isso quando isso não acontece em apenas uma faixa. A composição extremamente sexual e pitoresca de Hentai contradiz inteirar a sua delicada e minimalista instrumentalização em uma balada a base de piano que chega a ser emocionante, mas que funciona de maneira impressionante e mesmo depois é adicionado uma batida de pegada industrial na sua parte final. Logo em seguida dessa mistura improvável surge a frenética Bizcochito com a sua batida que entrega uma bachata eletrônica. Cada detalhe da construção da sonoridade de MOTOMAMI é um cuidado extremo, pois tudo consegue fazer sentido no contexto geral, mas, também, funciona muito bem ao serem isoladas. Com uma fluidez excêntrica que não tem medo de criar atritos já que sempre busca o inesperado."

6. RENAISSANCE
Beyoncé



"Contexto. Essa é a palavra para entender qual é o pop que a Beyoncé explora no seu novo álbum. Desde que fez a sua transição artística, a cantora vem explorando gêneros, sons, estilos e estéticas que fizerem a história vindo diretamente de artistas negros. Apesar de sempre presente na discografia da cantora, essa vontade e concretização vem de forma mais nítida desde o lançamento do 4. Como dito anteriormente, o álbum buscou clara influência do R&B e soul dos anos setenta e oitenta para construir a sonoridade básica do projeto. Em Beyoncé, apesar de uma jukebox, a tendência de referenciar uma quantidade de gêneros continua bem clara, mas foi em Lemonade, The Lion King: The Gift e Everything Is Love ao lado do Jay-Z que tudo isso tomou forma de maneira incontestável. Existe até um sketch do famoso Saturday Night Live intitulado "The Day Beyoncé Turned Black" logo após o lançamento de Formation que tira sarro com essa percepção de pessoas brancas sobre a sonoridade da cantora atual. Enquanto os outros trabalhos tinham um tom profundo de reverencia solene, Renaissance continua essa exploração da Beyoncé das suas raízes em que cantora quer apenas celebrar tudo a negritude. E os sinônimos dessa celebração são diversão, curtição, festejar e simplesmente se divertir. E não apenas da comunidade negra como também da comunidade queer.

Renaissance é, resumidamente, um trabalho pop/dance/R&B que vai transitando por uma coleção imensa e profunda de subgêneros, especialmente relacionados a house music. E, querido leitores, quando falo sobre imensa e profunda é necessário ressaltar que é o leque de gêneros, estilos, subgêneros e influencias são algo abismal no quesito de quantidade. Ouvir o álbum é quase como ouvir a coletânea de um artista multifacetado e de uma importância única para o pop que tem algumas décadas de carreira e que reúne basicamente toda a sua imensa história em apenas um álbum. E a Bey fez isso em apenas um álbum de inéditas. Mais do que saber sobre quais os gêneros são usados, o importante é saber de quem a cantora se inspira. Novamente, o álbum é uma celebração da música negra, especialmente aquela que deu base para o pop/eletrônico de forma geral. Nascidos, criados e elevados a referencias culturais em discotecas/boates/clubs que eram de pessoas negras e frequentados pela mesma comunidade durante os anos setenta, oitenta e noventa e que foram apropriados e assimilados pela cultura pop mainstream aos longos dos anos, os gêneros/subgêneros remetem aos originadores desses movimentos e com um destaque imenso para a cultura queer. Quem já assistiu ou assiste shows como RuPaul’s Drag Race ou, especialmente, Legendary, sabe que existe toda uma cultura associada a comunidade LGBTQIA+ que teve que criar a sua própria cena musical para pode se divertir, dançar e, claro, pode representar a si mesmo. E a principal cultura que a Beyoncé se inspira na sonoridade do ball cuture, especialmente a ouvida nos históricos ballrooms em que são eventos em que a comunidade queer construir para ter um lugar de divertimento e visibilidade nos anos sessentas e teve seu auge nos anos oitenta e começo dos noventa. A série Pose tem como cenários exatamente essa cultura. Sonoramente, Bey se influencia exatamente desse cenário com canções que são claramente para fazer o “vogue”. Além disso, a produção também volta os olhos para a disco e a afrobeats, fechando o pacote de influências negras de forma espetacular. Tudo isso poderia desabar devido ao peso de tudo que é colocado, mas, queridos leitores, estamos falando de dona Beyoncé Giselle Knowles-Carter."

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